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Direitos reservadosAntonio Monegal quis entender o sentido da guerra num tempo em os conflitos regressaram em força.

Poesia, ficção e guerra nas Correntes d’Escritas

Pela 26.ª edição do encontro literário da Póvoa de Varzim passaram mais de cem escritores e foram apresentados dezenas de novos livros.
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Era impossível fugir ao caos que o mundo político está a viver nesta edição de Correntes d’Escritas e nenhum livro poderia ser mais oportuno que o do Antonio Monegal, intitulado O Silêncio da Guerra, lançado na Póvoa de Varzim. O autor esteve presente e explicou o que pensa sobre a perturbação da ordem mundial, principalmente, falou de paz e da necessidade de esta substituir a irracionalidade que desemboca em conflitos como os que se tem observado nos últimos anos.

Quando se questiona Monegal sobre se o atentado às Torres Gémeas era o prenúncio da atualidade, o autor concorda que este acontecimento condicionou todo o novo século XXI no que respeita à guerra. Considera que passou a “valer tudo menos o respeito pela lei e as lições da História mostram que é fácil começar um confronto bélico mas é impossível saber como e quando irá acabar”. Vai mais longe no que respeita ao 11 de Setembro de 2001: “É impensável achar que a vitória eleitoral de Donald Trump não resulta de um império ferido por esse atentado, a que se seguiram não-vitórias no Afeganistão e no Iraque, e que agora regulam a política internacional dos EUA. Um país que se fechou dentro das suas fronteiras porque, sendo um país poderoso, é incapaz de usar o seu poder militarmente e fá-lo agora a um nível comercial e de política externa.”

O ensaio começa com a história de um carro avariado e o pedido dos dois ocupantes para lhes dar boleia. Nas conversas que se seguirão, Antonio Monegal confirma o quanto podem ser diferentes as visões sobre o Médio Oriente em função da geografia dos intervenientes. Pergunta-se-lhe se estamos todos enganados sobre qual é a verdade? Responde que “é difícil encontrar a verdade do que acontece nas guerras, principalmente porque as versões dos acontecimentos dependem de quem as conta, daí que seja fundamental fazer um esforço para chegarmos às primeiras fontes e assim perceber melhor”. Para o autor, a informação “está transformada num imenso ruído”, daí que tenha tentado em O Silêncio da Guerra “encontrar outras fontes para obter a verdade, pois há maneira de se saber de uma forma muito aproximada o que se passa numa guerra, mesmo que tal não signifique que se apure a verdade total”.

Antonio Monegal viveu 14 anos nos Estados Unidos, tendo-se doutorado na Universidade de Cornell, dado aulas em Harvard e Princeton como professor visitante, e conviveu com vários presidentes republicanos. Nos últimos tempos, foi obrigado a concluir que a “América de Trump é irreconhecível, é outro país, dividido e autocrata”. Após a vitória de Trump, decidiu deixar de ler as notícias: “Fiz uma abstinência e passei a ler autores que escreveram sobre a história da Grécia e da sua cultura. O mais curioso é que pensamos na Grécia como uma democracia, mas esse foi um período muito curto, pois rapidamente caiu na sedução do autoritarismo e das tiranias, até à sua decadência”. Este confronto com os clássicos mostrou a Monegal que “a racionalidade é um valor que deve sobrepor-se e que as sociedades deveriam ir evoluindo de forma mais esclarecida com o passar do tempo, mas o que vemos é a irracionalidade a dominar”. No entanto, continua a acreditar que “em algum momento da história haverá uma mudança”.

A leitura dos clássicos mostrou-lhe também que a guerra deixou de ser épica, como se entendia da Ilíada: “No meu livro, considero que a épica é uma forma de propaganda da guerra, porque quando estas são explicadas como boas e más, de vitórias e derrotas, mais não é do que modelo próprio das sociedades guerreiras até ao século XVIII. Porque todos os líderes vinham da casta dos guerreiros e era considerada uma atividade honrada e que proporcionava glória. Esse pensamento é, hoje, o de muito pouca gente. A esse nível alterámos os nossos valores, contudo continuamos a ver a guerra como um mal inevitável e uma fatalidade.”

Para o filósofo, “a épica deixou de interessar à literatura, no entanto no cinema continua a ser muito valorizada”. Também nos noticiários “se deixou de reportar sobre soldados que tiveram uma ação heroica e o que agora interessa são os civis que sofreram experiências traumáticas”. Daí que defina esta alteração de perspetiva já como uma grande mudança e dê um exemplo: “Nos quadros das grandes batalhas até ao século XIX eram as figuras heróicas, montadas em cavalos, que tinham um papel principal, sendo que aos feridos e aos mortos estava reservado um lugar na parte de baixo da pintura, num segundo nível. Nas imagens atuais, o sofrimento passou a ser o destaque e a heroicidade perdeu peso na representação”.

Não é por acaso que em O Silêncio da Guerra Monegal vai buscar inúmeros exemplos de livros, filmes e teatro para demonstrar as suas teses. Afinal, não deixa de aceitar como acertada a afirmação de que “a verdade é a primeira vítima da guerra”. Não aceita que seja impossível encontrar-se a informação neutral, mas atualmente existe outra questão: “A velocidade da corrente informativa dificulta o processar da informação e permite uma maior manipulação dos factos.”

O SILÊNCIO DA GUERRA

Antonio Monegal

Objectiva

271 páginas

Outras novidades literárias

UM MICROCOSMOS EXEMPLAR

Foi um dos livros apresentados nas Correntes d’Escritas, o de Lara Moreno, que concentra a ação de um romance num único prédio. Não sendo a primeira vez que um autor utiliza um cenário assim, no entanto a escritora acrescenta outros elementos que transformam este livro sobre, principalmente, a vida de três mulheres que vivem num bairro de Madrid, numa odisseia contemporânea e inovadora na sua conceção

TRÊS MULHERES NA CIDADE

Lara Moreno

Alfaguara

338 páginas

UM LIVRO MISTERIOSO

Foi um dos livros apresentados nas Correntes d’Escritas, o de Maria Isaac, um romance que convive com uma tragédia inesperada na vida do protagonista e através dessa experiência faz ressaltar a condição humana. Além do dia-a-dia, há um aroma de mistério que é trazido para a ação através de um livro enigmático. (sai a 6/03)

AS HISTÓRIAS QUE NOS MATAM

Maria Isaac

Porto Editora

247 páginas

UMA ESTREIA

Foi um dos livros apresentados nas Correntes d’Escritas, este de Luísa Sobral, a sua estreia fora do mundo da composição musical, que tem como fio condutor a terrível descoberta sobre a verdade e a mentira na vida da protagonista. Como na Botânica, que percorre todo o livro, vai-se descobrindo que nem todas as espécies são tão legíveis como parecem.  

NEM TODAS AS ÁRVORES MORREM DE PÉ

Luísa Sobral

D.Quixote

222 páginas

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