Paulo Bragança canta Adriano em ensaio aberto ao público
Adriano Correia de Oliveira viveu apenas 40 anos mas deixou uma marca profunda na música portuguesa. Depois de gravar Adriano 80, o cantor Paulo Bragança continua a revisitar uma obra tão vasta como estimulante.
É pouco habitual entre nós o formato do espetáculo que Paulo Bragança apresenta, nesta 5.ª feira às 18.30 no espaço B.O.T.A, em Lisboa (Largo de Santa Bárbara, 3 D), já que se trata de um ensaio aberto ao público, e não de um concerto convencional. O repertório interpretado andará em volta da obra de Adriano Correia de Oliveira, referência maior da canção dita de intervenção antes e depois do 25 de Abril, falecido prematuramente há 40 anos, que Paulo Bragança já revisitou em 2022 com o disco Adriano 80. Mas poderão surgir também outros temas constantes dum segundo álbum dedicado ao mesmo compositor, com lançamento previsto para Abril e que terá por título Adriano 40.
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No entanto, o aliciante deste formato é o facto do alinhamento não estar definido à partida, pelo que, alerta o cantor, podem surgir repetições de temas, arranjos diferentes e muito provavelmente conversas entre canções. O público é, pois, convidado a interagir com o artista, para além dos habituais aplausos. "Já fiz este tipo de espetáculo, com músicos que nem sequer conhecia, em Nova Iorque", diz Paulo Bragança ao DN. "No fim de contas, é o que se vai passar aqui: vamos, de algum modo, mostrar a quem lá esteja como se constrói um concerto, mas eu próprio não sei o que realmente se vai passar. Nem sequer vou estar com os músicos antes da sessão". Paulo Bragança recorda que este factor surpresa, que o estimula muito, já esteve presente no último concerto na Festa do Avante de 2022, onde apresentou temas de Adriano 80: "Posso dizer que a reação do público foi a melhor de sempre. Já tínhamos estado em junho, no Festival Músicas do Mundo, e foi muito bom, mas o que aconteceu no Seixal, em que só partimos com uma ideia de como seria o final, ultrapassou tudo."
Adriano 80, recorde-se, foi lançado em junho do ano passado no auditório do Museu do Fado e, mais do que uma homenagem, foi um reconhecimento daquilo que Paulo Bragança considera ser a atualidade do compositor, como, na altura, disse em entrevista ao DN (12.06.22): "A obra de Adriano é vastíssima. Isto pode parecer um disparate, mas eu sinto-me como se fosse irmão dele, como se fosse contemporâneo, como se tivesse andado na mesma universidade, lutado pelos mesmos ideais, porque eu acho que hoje em dia Adriano seria mais Adriano ainda. Porque ele é uma pessoa que ainda incomoda muito, não sei porquê mas é evidente." Em Adriano 80, estão incluídos os temas Rosinha, A noite dos poetas, Minha mãe, Menina dos olhos tristes, Erguem-se muros, Canção com lágrimas e As mãos.
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Desta sessão no B.O.C.A, Paulo Bragança diz que "pode até surgir a versão definitiva (se é que isso existe) de algum tema de Adriano 40, até porque esta sessão funcionará um pouco como laboratório, que é uma palavra de que gosto muito porque combina labor e oração. É uma oficina mas sem peneiras." Com estes dois discos, o cantor procura chamar a atenção para a importância da obra de Adriano Correia de Oliveira, que considera muito esquecida: "É uma situação injusta, que me incomoda. Mas não o fiz por causa disso ou sequer por causa da dupla efeméride do nascimento (há 80 anos) e da morte (há 40), até porque ninguém me chamou para o que quer que fosse." Adriano voltará a estar em foco no concerto que Paulo Bragança dará a 2 de abril próximo, no auditório do CCOP, no Porto.
Nascido em Angola em 1971, Paulo Bragança criou, desde cedo, um percurso muito próprio e pouco reverente com os códigos há muito estabelecidos no fado. Em 1992, lançou o seu primeiro álbum, Notas sobre a Alma, a que se seguiu, dois anos depois, Amai (Polygram/Luaka Bop). Produzido por Rui Vaz, Carlos Maria Trindade e pelo próprio Paulo Bragança, o álbum conquistou a atenção de David Byrne, que o integrou no catálogo do Luaka Bop, conferindo-lhe projeção mundial. Com uma longa ausência de Portugal, a que o artista chama o seu exílio (durante o qual estudou Filosofia, em Dublin, mas onde também sofreu grandes dificuldades, como nunca escondeu), gravou mais quatro álbuns depois dos dois já referidos e já fez parcerias com artistas como os Sitiados ou os Moonspell, com quem, em 2017, cantou o tema In Tremor Dei. Continua fiel à designação de iconoclasta que David Byrne lhe atribuiu.
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