Steve Carell dá voz doce ao tamanho de Blue.
Steve Carell dá voz doce ao tamanho de Blue.

Para não ter medo dos amigos imaginários

Um dos lançamentos mais aguardados desta primavera, a estreia da semana para as famílias, 'IF: Amigos Imaginários', de John Krasinski, traz Ryan Reynolds numa aventura a resgatar a criança que há em nós. Mistura de imagem real e desenhos animados, com um elenco de vozes que vai de Steve Carell a Phoebe Waller-Bridge.
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Numa das primeiras cenas de IF: Amigos Imaginários, reparamos num filme antigo, a preto e branco, que espreita discretamente no ecrã da televisão de uma sala. Podia ser um filme qualquer, uma referência pessoal e afetiva do realizador (não deixará de o ser, por certo) ou uma simples piscadela de olho à história do cinema, que diz pouco às novas gerações, resistindo nestes pequenos vestígios de nostalgia. Porém, o filme que passa na TV não é um filme qualquer, alheio àquilo que vai ser a natureza de IF. Na verdade, talvez não existisse citação mais feliz para sustentar toda a proposta do americano John Krasinski. A saber: no pequeno ecrã dentro do grande ecrã vemos Harvey, o clássico de 1950, de Henry Koster, em que James Stewart interpreta Elwood P. Dowd, um homem simpático com um amigo imaginário... Nessa história, Elwood, para embaraço da irmã mais velha, apresenta o amigo coelho a toda a gente, dizendo que se chama Harvey e que tem quase 2 metros de altura. Resultado: a invisibilidade do roedor gigante não ajuda o caso deste homem, cuja gentileza se confunde com loucura, levando-o ao sanatório. Quem viu o filme não esquece, no entanto, a prova do tino de Elwood, quando ele diz ter-se cansado de ser sensato, preferindo antes ser amável. Fica a sugestão.

Que Krasinski tenha evocado Harvey no tecido de IF: Amigos Imaginários não é coisa pouca. Sob o signo de uma das comédias dramáticas mais ternas da Hollywood clássica, o filme familiar que esta quinta-feira chega às salas ganha uma luz especial, ao trocar a fria “sensatez” adulta pelo calor da imaginação infantil. Tudo acontece quando Bea, uma pré-adolescente de 12 anos, regressa à casa da avó em Brooklyn para passar uns dias enquanto o pai (o próprio John Krasinski) está no hospital, sujeito a uma cirurgia, que segundo ele será simples - algo que não tranquiliza a filha, depois de já ter visto a mãe morrer numa cama hospitalar. Para além disso, o constante tom brincalhão deste pai parece não fazer milagres na impressão de que o sofrimento se pode repetir.

No sótão da imaginação

Não muito depois de voltar ao quarto onde brincara em criança, Bea, interpretada pela jovem Cailey Fleming, anuncia à avó que já está crescida para o tipo de objetos que encontra nesse espaço; faz questão de arrumar numa caixa os seus trabalhos manuais e não sucumbir às boas memórias das pinturas, teatrinhos e karaokes partilhados com o pai e a mãe. Isto até descobrir que no prédio há barulhos estranhos: nas águas-furtadas vive um homem (Ryan Reynolds a ser Ryan Reynolds) na companhia de criaturas animadas difíceis de descrever, como uma bailarina-inseto chamada Blossom (voz de Phoebe Waller-Bridge) e uma bola de pêlo gigantesca que dá pelo nome de Blue, apesar da sua cor roxa (Steve Carell, a conferir-lhe a identidade adequada).

Ryan Reynolds é o par ideal para qualquer tipo de aventura

Estas criaturas são os IFs - sigla para “Imaginary Friends”, autênticos desenhos animados no mundo real -, e quando se percebe que a rapariga os consegue ver, inicia-se uma missão há muito adiada de tentar ligá-los às crianças. Entrando noutros lugares secretos e mágicos, onde estão em repouso mais IFs, deprimidos pelo abandono dos meninos e meninas que cresceram, Bea e o vizinho adulto unem esforços para, basicamente, salvar o feitiço perdido que relegou ao esquecimento os Amigos Imaginários.

Um filme para as filhas

Com uma ideia elementar, o ator e realizador dos thrillers apocalípticos Um Lugar Silencioso, regressa com uma nova narrativa de família, adotando moldes para todas as idades, e nada assustadores. Uma aventura que nasceu da vontade de criar algo para as suas filhas, como se lê nas notas de produção disponibilizadas à imprensa: “Sempre quis fazer um filme para elas. A Emily [Blunt, esposa de Krasinski] diz que os dois Um Lugar Silencioso não são recomendáveis para crianças; por isso as meninas não os verão tão cedo... Durante os primeiros dias da pandemia, passei muito tempo com as minhas filhas, que tinham na altura 8 e 6 anos, e vi o poder da sua imaginação. Mas à medida que a pandemia avançava, percebi que esse brilho, essa luz começou a diminuir. À energia e entusiasmo que tinham sucedeu uma maior cautela com tudo.”

Dir-se-ia que foi em resposta a tal perda progressiva das cores da imaginação que Krasinski concebeu esta viagem aos recantos de uma magia ameaçada. E não deixa de ser notório que o próprio filme, situando-se nos dias de hoje, procure uma certa intemporalidade para a sua “mensagem”: não estamos numa Nova Iorque agressivamente marcada pelos fenómenos da vivência contemporânea, repleta de ecrãs, mas sim nas linhas de uma fantasia universal que torna uma dança ao som de Better Be Good To Me, de Tina Turner, tão fresca agora como daqui a uma década.

Ao conseguir manter-se dentro do essencial, sem exagerar no enredo, IF: Amigos Imaginários apresenta-se como um digno e simpático programa familiar. Daqueles que aspiram à afinidade com as histórias clássicas a que se regressa uma e outra vez. Por razões óbvias, a versão original será a mais recomendável. Mas, em alternativa, estará também nas salas portuguesas uma versão dobrada, que torna ainda mais acessível a aventura calorosa de Krasinski - essa versão conta com as vozes de Eduardo Madeira, Inês Lopes Gonçalves, Ana Bacalhau, Pedro Fernandes e Rita Marrafa de Carvalho.

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