Os Óscares em 10 momentos
Enquanto espreitávamos os resultados das eleições por cá, a 96ª cerimónia dos Óscares decorria cordata e previsível no Dolby Theatre, em Los Angeles. Jimmy Kimmel retomou o papel do anfitrião pela quarta vez, imbuído de um humor civilizado, que encerrou a festa numa nota perfeita, em resposta a um post típico de Donald Trump: “Obrigada por estar a assistir. Mas não passou já da hora de ir para a prisão?”
Homenagear individualmente atrizes e atores nomeados
Das poucas inovações desta cerimónia dos Óscares, houve uma capaz de emocionar logo nos minutos iniciais: a apresentação individual de cada atriz e ator nomeado por parte de outros intérpretes ex-vencedores. Foi uma nota de bom gosto, em jeito de homenagem personalizada, que não só valorizou devidamente as categorias de interpretação – ainda mais num ano de particular excelência – como deu o contexto ideal para os discursos mais sentidos, a começar pela Melhor Atriz Secundária, Da’Vine Joy Randolph (Os Excluídos), que deitou as primeiras lágrimas ao ouvir as palavas elogiosas de Lupita Nyong’o. Isto antes de subir ao palco e trazer aquela carga de comoção própria de quem não teve um percurso fácil.
A humanização do evento refletiu-se ainda num gesto de Jimmy Kimmel: o anfitrião chamou ao palco as pessoas que trabalham nos bastidores dos Óscares, exibindo a mancha humana daqueles que “fazem acontecer”, e que ficam sempre longe da vista.
Óscares para Miyazaki e Wes Anderson
Também um dos momentos iniciais, o Óscar de Melhor Filme de Animação para o veterano japonês Hayao Miyazaki reforçou um dos maiores legados da história deste cinema. 21 anos depois de ter alcançado a primeira estatueta da Academia de Hollywood por A Viagem de Chihiro – um autêntico feito para o Studio Ghibli, que provou haver mais vida para além da Disney –, o realizador de 83 anos foi reconhecido pela obra que se considera ser o seu (novo) canto do cisne, O Rapaz e a Garça, a funcionar, de facto, como uma súmula de tudo o que fez para trás. Tal como acontecera em 2003, Miyazaki não esteve presente para recolher o prémio.
Quem também faltou à cerimónia foi Wes Anderson, o cineasta americano que acumulara oito nomeações ao longo de 22 anos, sendo finalmente vencedor de um Óscar pela curta-metragem A Incrível História de Henry Sugar, uma das quatro mini-adaptações de Roald Dahl produzidas para a Netflix.
Um homem nu a correr
Foi a piada física mais hilariante da noite, preparada para a apresentação da categoria de Melhor Guarda-Roupa. Enquanto Jimmy Kimmel recordava à audiência o incidente ocorrido na 46ª edição dos Óscares, em 1974, quando um homem nu passou a correr pelo palco, percebemos que a ideia é repetir-se a situação... Escondido num canto, o protagonista do momento, John Cena, diz estar arrependido do número, mas acaba por surgir sem roupa, só com o envelope do vencedor a tapar as partes íntimas.
Contextualizando: a brincadeira inspira-se na dita 46.ª cerimónia dos Óscares, em que David Niven foi interrompido durante breves segundos por um homem nu a atravessar o palco atrás de si, precisamente na altura em que o ator anfitrião falava de um mundo em “colapso nervoso”, antes de chamar Elizabeth Taylor para a entrega da estatueta de Melhor Filme (nesse ano triunfou A Golpada). Qual seria a reação de Niven? Um riso controlado, e depois o improviso: “Bem, senhoras e senhoras, isto estava quase destinado a acontecer... [pausa para se compor] Mas não é fascinante pensar que provavelmente a única risada que aquele homem terá na vida será por despir-se e mostrar as suas insuficiências?” A festa continuou como se nada fosse.
O discurso de Jonathan Glazer
Falando de coisas sérias, o discurso de Jonathan Glazer ficará como um dos raros momentos em que se usou o microfone para pôr o dedo na ferida da atualidade. Ao receber o Óscar de Melhor Filme Internacional, pel’A Zona de Interesse, o realizador inglês fez questão de focar a sua mensagem no que se está a passar no Médio Oriente, sublinhando que as escolhas do seu filme serviram para confrontar o espectador no presente: “A ideia não é ‘veja o que eles fizeram naquela época’, mas sim ‘veja o que fazemos agora’. O nosso filme mostra onde a desumanização leva ao pior”. Judeu, tal como o produtor James Wilson, ao seu lado, Glazer concluiu: “Neste momento, estamos aqui como homens que refutam o seu judaísmo e o Holocausto, este a ser sequestrado por uma ocupação que levou o conflito a tantas pessoas inocentes, sejam as vítimas do 7 de Outubro em Israel ou o ataque em curso em Gaza.”
Os pins vermelhos
Vários dos convidados destes Óscares, entre os quais, Mark Ruffalo e Billie Eilish, exibiram pins vermelhos nas lapelas ou nos vestidos. Um adereço com o desenho de uma mão e um coração negro ao centro, que simboliza o “apoio coletivo a um cessar-fogo imediato e permanente, à libertação de todos os reféns e à entrega urgente de ajuda humanitária aos civis em Gaza”, segundo o comunicado da organização Artists4Ceasefire, que os criou. Houve também quem usasse um pin com as cores da bandeira da Palestina.
20 Dias em Mariupol
O segundo momento mais político foi o discurso do realizador ucraniano Mstyslav Chernov, ao vencer o Melhor Documentário, 20 Dias em Mariupol (estreia-se cá no dia 5 de abril, pelo TVCine Edition). Frisou Chernov que se trata do primeiro Óscar da história da Ucrânia e, apesar da honra, ele preferia “nunca ter feito este filme”. Continua: “Desejava poder trocar isto pelo facto de a Rússia nunca ter atacado a Ucrânia e ocupado as nossas cidades”, mas “não posso mudar a história”. Uma manifestação de profunda tristeza, acompanhada de um apelo às estrelas de Hollywood, para que ajudem a verdade a prevalecer e usem o cinema como ferramenta de memória.
Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito
Quiçá a melhor dupla da noite, entre o humor e a ternura, Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito entraram em palco para apresentar a categoria de Melhores Efeitos Visuais, carregando um pouco de nostalgia nos seus semblantes envelhecidos. Pensávamos nós que era uma reunião dos atores de Gémeos (1988), quando DeVito lança: “Arnold e eu estamos a apresentar um Óscar juntos por uma razão muito óbvia: tentámos os dois matar o Batman!” A piada foi tão boa que se estendeu à história de como cada um tentou matar o super-herói... e a interação com Michael Keaton (esse Batman) na plateia tornou-se um verdadeiro número cómico, com o ator a conseguir não se desmanchar. Muito riso no Dolby Theatre.
A omnipresença/sombra de Barbie
Por certo, Barbie converteu-se num tema omnipresente, depois da ausência de Greta Gerwig e Margot Robbie nas nomeações. Mas se, desde o princípio, Jimmy Kimmel traçou o perfil rosa da cerimónia com chalaças aqui e ali, foram mesmo as performances musicais ligadas ao filme que causaram impacto. Por um lado, a serenidade de Billie Eilish a cantar What Was I Made For?, por outro, o absoluto espetáculo de Ryan Gosling e o seu I’m Just Ken, que fez um brilharete, contando até com uma ajudinha do guitarrista dos Guns N’Roses.
Pobres Criaturas: o triunfo das categorias técnicas
Com o favoritismo de Oppenheimer a deixar pouca margem para surpresas, Pobres Criaturas triunfou numericamente nas categorias técnicas (já vamos à atriz): Melhor Maquilhagem e Cabelos, Design de Produção e Guarda-Roupa. Um registo que importa fazer da grandeza plástica do filme de Yorgos Lanthimos, que não conseguiu derrotar a preferência pela seriedade e robustez do objeto de Christopher Nolan.
Os casos Emma Stone e Billie Eilish
Havia uma pequena possibilidade de Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores) não chegar a tornar-se a primeira atriz indígena norte-americana a vencer o Óscar, apesar da limpeza da temporada de prémios. Foi por essa fresta que entrou a vitória de Emma Stone, força motriz de Pobres Criaturas, sem dúvida, o momento mais inesperado da reta final da cerimónia, que coroou, pela segunda vez, a jovem atriz, antes oscarizada por La La Land: Melodia de Amor.
Um caso muito parecido com o de Billie Eilish, a cantora e compositora que, aos 22 anos, se torna a pessoa mais jovem a acumular dois Óscares – o primeiro, em 2022, foi pela canção No Time To Die, para 007: Sem Tempo Para Morrer. Muita vida, portanto, para ganhar mais estatuetas.