Não há escritor best-seller que se preze que não faça da cidade de Praga o cenário de um seu livro. É claro que Dan Brown não poderia faltar à chamada e o seu mais recente thriller, O Segredo dos Segredos, decorre em muito na Cidade das Cem Torres (na verdade, terá umas setecentas). Tal como Umberto Eco também não ignorou a cidade e situou nela o romance O Cemitério de Praga. Diga-se que em ambos os livros há um denominador comum: Praga e uma grande conspiração. Em Eco há várias fações religiosas com séculos de existência em luta, em Brown é o futuro do cérebro humano e das capacidades que a neurociência procura alcançar. Portanto, para o escritor italiano bastava-lhe os seus dons intelectuais para trazer de novo à vida certos mitos judaicos, enquanto para o autor norte-americano era necessário colocar novas metas à capacidade do cérebro.Uma coisa é certa, os romances de Umberto Eco eram para uma minoria paciente, já os de Dan Brown são para uma maioria carente das habilidades de um mestre em elevar as suas histórias mirabolantes sempre a um outro nível. Ao conseguir atrair milhões de leitores quando publicou O Código Da Vinci, o thriller dos thrillers mais popular deste século, mesmo que os dois livros anteriores, Anjos e Demónios e o sempre desprezado A Conspiração estivessem ao mesmo nível no que diz respeito à capacidade de se disseminar tão rapidamente como o vírus covid-19 sobre o planeta Terra. Depois, houve o falhanço de O Símbolo Perdido… e desde a semana passada O Segredo dos Segredos, recheado de breves parágrafos com pequenas histórias que vai pondo aqui e ali para mostrar que a pesquisa é boa, como o porquê da editora Random House ter este nome, que o símbolo mais reproduzido no mundo são os halos; dois exemplos de cultura popularucha que serve para animar um jantar e que surgem abundantemente na ementa servida pelo escritor.Vamos ao que interessa. Ninguém sairá desiludido deste livro, basta ler as quatro páginas do Prólogo para se prever que tudo pode acontecer a partir daí e que será tão real ou sobrenatural como o Homem quando comparado com os outros seres vivos sobre a Terra. Nesse quarteto de páginas introdutórias há uma neurocientista que paira sobre o céu de Praga, a quem é extorquido os códigos da porta do seu laboratório, e a situação em que se encontra deve-se a um conhecimento que dará matéria para imprimir setecentas páginas. Que não sobreviverá porque os inimigos são poderosos, ou seja, sem a preciosa ajuda do criptologista Robert Langdon o mundo poderá mais uma vez tornar-se o caos. O herói de Dan Brown só surge à quinta página, numa entrada que faz lembrar as duas características do agente 007: o sedutor que se envolve fisicamente com uma cientista de Noética e que nos dez primeiros minutos do filme é sujeito a um desafio impossível de vencer e deixa o espectador sem respiração. Em seguida, o leitor descansa e vê os créditos dos atores e técnicos. A ação regressará rapidamente em novo capítulo, pois Dan Brown recupera uma figura do judaísmo, um golem, o gigante de barro que é um dos personagens necessários para a pirotecnia constante do thriller.A primeira grande pergunta de O Segredo dos Segredos é: a morte é mesmo o fim? Não se fica por aí, pois o que não falta são charlatões a darem receitas sobre um novo estágio pós-morte. A segunda grande questão é sobre a possibilidade de ser criado um chip que faça de interface entre o homem e a máquina? Dan Brown tenta dar um vislumbre dessa nova existência com a situação vivida por uma neurocientista que, tal como a investigadora de noética e amiga de Langdon, desaparece em muito poucas páginas. A polícia checa intervém com um detetive mal-humorado ao jeito de Clint Eastwood nos seus policiais mais primários, um elemento da embaixada norte-americano que respira traição, a CIA a roubar teses inovadoras, bilhetes codificados a par de uma app renascentista para falar com os espíritos, e, finalmente, a explicação para o desaparecimento da cientista que pairava sobre o céu de Praga…Dan Brown não está tão à-vontade enquanto inventor neste novo best-seller como esteve no tempo de O Código Da Vinci, mas a culpa não é dele. O escritor bem que se esforça por ultrapassar as novidades tecnológicas que rodeiam e estão à disposição da atual humanidade, um patamar quase impossível pois a miríade de livros e artigos não dão descanso às super novidades tecnológicas e, ao que se prevê para breve, de forma a apresentar um thriller que supere a realidade – afinal, desde o princípio dos tempos que a realidade era capaz de superar a ficção.Mesmo que o seu principal sucesso literário não estivesse preocupado com um salto em frente mas em jogar com a possibilidade de provocar uma potencial crise religiosa com a resolução de um alegado mistério de Maria Madalena e da sua descendência, desvendado a partir da pintura de A Última Ceia, fazer neste momento o que Dan Brown foi capaz há duas décadas com O Código é impensável. Mas ninguém pode tirar valor a Dan Brown, porque o esforço é gigantesco para se manter na primeira fila do género e não envergonhar Robert Langdon. Uma coisa se pode concluir: os mistérios de Deus são insondáveis, os de Dan Brown proporcionam umas boas horas de suspense, questionamentos, aprendizagem e diversão. . O SEGREDO DOS SEGREDOSDan BrownPlaneta700 páginas Outras novidades literáriasE A GUERRA AQUI TÃO PERTONum tempo em que esperar por uma guerra de grandes dimensões com o epicentro no continente europeu, na Ucrânia, não é uma hipótese a ser posta de lado de ânimo leve. Todos os dias parece que encontrar um motivo para se dar início ao conflito está mais perto, até porque as guerras começam muitas vezes por situações que à distância não mereciam ser um motivo. Neste Atlas da II Guerra Mundial, com textos síntese de cada etapa histórica e profusamente ilustrado com infografias, mapas e fotos, pode-se ir acompanhando o antes, durante e depois do maior conflito bélico da história da humanidade. Demasiado realista, pode dizer-se, mas serve de base para se pensar no que poderá ser agora com todo o armamento que existe. .ATLAS DA II GUERRA MUNDIALVários autoresGuerra & Paz191 páginasO DESOBEDIENTE THOREAUTalvez nunca tenha havido um ser humano que persistentemente fizesse tanto pela liberdade, pelos direitos civis, pela ecologia e pelo esclarecimento social como Henry David Thoreau (1817-1862), cujos livros não se confinaram ao seu tempo de vida mas mantêm-se vivos e nunca indiferentes ao que defendeu. A Desobediência Civil é um dos melhores exemplos e que se mantém demasiado atual. .DESOBEDIÊNCIA CIVILHenry David ThoreauLua de Papel75 páginas.“Literatura foi essencial para compreender a parte mais profunda da alma portuguesa”