Os atores ressuscitados

Surpresas na 95ª cerimónia dos Óscares? Essa margem só existia nas categorias de interpretação. Em particular, Brendan Fraser elevou a noite com o abalo genuíno de um ator que se viu reconhecido na performance de uma vida.

Não há nada como uma boa comeback story. E a prova disso ficou bem à vista nesta última edição dos Óscares, através de dois dos atores premiados. A começar por Brendan Fraser, que experimentou algo de superlativo ao pisar o palco para receber a merecida estatueta. "Então é com isto que se parece o multiverso?", disse, numa voz embargada, em referência ao filme que viria a ser o grande vencedor da noite. Na verdade, o próprio Fraser representou aquilo que a cerimónia, na sua generalidade, não foi capaz de dar: um momento de pura emoção, desde logo porque não era cem por cento certa a sua vitória (Austin Butler, em Elvis, era o outro nomeado forte da temporada de prémios).

O ator de A Baleia muniu-se de metáforas para agradecer a toda a gente, desde o realizador Darren Aronofsky, responsável pelo seu resgate do esquecimento, ao transportá-lo "a bordo do bom navio The Whale", ao argumentista Samuel D. Hunter ("o nosso farol"), passando pela atriz secundária Hong Chau (com um "talento profundo"), sem esquecer os colegas nomeados na mesma categoria (melhor ator): "Cavalheiros, vocês expuseram os vossos corações do tamanho de uma baleia, como mais ninguém o poderia fazer, para que pudéssemos ver a alma lá dentro, e é uma honra ter sido nomeado ao vosso lado." Esta nobreza doce diz muito sobre o homem que nos últimos anos esteve praticamente desaparecido da indústria do cinema americano; a mesma indústria que antes colara a sua imagem a um registo comercial sem margem para a valorização do ator. Estava arrumado na caixinha dos rostos simpáticos da nossa infância.

Mas eis que Aronofsky, tal como tinha feito com Mickey Rourke em The Wrestler, retirou Fraser da "zona de conforto" desses filmes, aproveitando a própria nostalgia da sua imagem: o sorriso luminoso do ator é essencial para a dimensão dramática da personagem obesa de A Baleia, porque sublinha a inocência que ficou lá atrás, nos tempos de A Múmia. O Brendan Fraser que Aronofsky e o Óscar ressuscitaram aos 54 anos - depois de um período de afastamento também relacionado com questões do foro íntimo e várias intervenções cirúrgicas (mazelas dos sucessivos filmes de ação) - é o ator que tínhamos vislumbrado antes em filmes como Deuses e Monstros (1998), de Bill Condon. Agora foi o seu momento.

Os asiáticos e a filha de Janet Leigh

A outra história de um grande regresso que marcou a própria temporada de prémios é a de Ke Huy Quan. Afirmando-se desde cedo como o favorito na categoria de melhor ator secundário, o vietnamita que faz parte do pacote de sucesso de Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo estabelece uma ponte semelhante com o passado: é preciso recuar aos anos 1980, mais precisamente aos filmes Indiana Jones e Templo Perdido, de Spielberg, e Os Goonies, de Richard Donner, para reconhecer os traços de expressão do ator infantil que renasceu pelas mãos dos Daniels.

Pode dizer-se que, de mesma forma que Aronofsky recuperou Fraser, também a dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert recuperou Quan do esquecimento a que foi votado pela indústria. O que não deixa de se aplicar ainda à malaia Michelle Yeoh, a primeira mulher asiática a vencer o Óscar de melhor atriz - o seu nome sempre esteve associado a O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, mas Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo é a sua coroação.

E o que dizer de Jamie Lee Curtis? A filha de duas lendas de Hollywood, Janet Leigh e Tony Curtis, cuja carreira tem passado especialmente pelo cinema de género - e ela fez questão de referi-lo no discurso de agradecimento -, acaba por ser consagrada sem necessidade de sair desse território. Recorde-se que tudo começou com um filme chamado Halloween - O Regresso do Mal (1978), de John Carpenter, em que os gritos de uma jovem Curtis, perante a ameaça do homem mascarado, remetem para os da sua mãe por detrás da cortina na icónica cena do chuveiro de Psico, o filme de Hitchcock...

Quem não conseguiu esconder o desagrado foi Angela Bassett, outra das nomeadas na categoria de melhor atriz secundária, que se apontava como uma das favoritas. Num ano em que era a única atriz negra no painel, a sua expressão perante a vitória alheia ficou registada.

dnot@dn.pt

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