Há vida, muita vida no Batalha – e é para continuar. / Paulo Cunha Martins
Há vida, muita vida no Batalha – e é para continuar. / Paulo Cunha MartinsPaulo Cunha Martins

O primeiro ano de atividade do Batalha deu bons frutos

Ao fim de um ano de portas abertas, é hora de tomar o pulso ao ainda recente espaço cultural do Porto, que tem vindo a dar importantes sinais de vitalidade. Por estes dias celebra-se Jane Birkin no grande ecrã, mas há mais propostas no Batalha Centro de Cinema.
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Era uma sexta-feira, fazia frio e à hora de almoço havia muita gente a cirandar e a formar fila à volta do edifício renovado, para tentar apanhar os bilhetes gratuitos de acesso às primeiras sessões. No último mês de dezembro passou um ano sobre essa inauguração do Batalha Centro de Cinema, que devolveu à cidade invicta uma das suas salas mais emblemáticas, e agora há motivos para acreditar que a curiosidade inicial não foi coisa passageira. “Precisámos de algum tempo”, reconhece ao DN o diretor artístico do Batalha, Guilherme Blanc, numa conversa via zoom. Mas esse foi “um tempo necessário para explicar o que queríamos fazer do ponto de vista programático. Ao longo do trajeto percebemos que conseguimos reativar hábitos e relacionarmo-nos com o público.” 

Um princípio de balanço positivo do último ano que coincide com o lançamento de uma retrospetiva-retrato de Jane Birkin, composta por filmes menos conhecidos, ou pouco vistos, à exceção de Blow-Up – História de Um Fotógrafo, de Antonioni. Mas, afinal, o que é uma retrospetiva-retrato? “No fundo, o retrato de uma pessoa no cinema. Esta ideia de retratar alguém através de uma prática fílmica. O que acaba por ser também um retrato do seu arco temporal, ou tempo biográfico – ela [Birkin] apanha toda a metade do século XX, e o século XXI, toda aquela transição estética e política dos Anos 1960 até aos nossos dias. A questão era que filmes poderiam compreender as diferentes tendências, correntes, postura e consciência social e artística. Daí termos incluído, por exemplo, o filme da Marion Hänsel, Dust [1985], que é um filme raro, pouco conhecido, ainda que adapte um romance do J.M. Coetzee, e que trata questões políticas presentes noutros filmes do mesmo período, como o pós-colonialismo”, explica Guilherme Blanc. 

Por este conceito específico de programa se percebe que o Batalha tem procurado uma nota forte de originalidade no modo de dar a ver cinema. Depois de um ano de muitas exibições e outras atividades, ano esse que permitiu testar o momento pós-pandemia, importa sentir o seu batimento cardíaco: “Continua a ser um processo de aferição, de perceção de hábitos de consumo culturais, conjugado com a proposta que tínhamos para este projeto. Ou seja, tentamos ligar essa perspetiva – de um Centro Cultural para o cinema – a uma ideia de públicos”, nota o diretor. 

Mais concretamente, isto significa que há um foco nos apetites daquele que se vai tornando espectador da sala portuense. Continua Blanc: “O perfil do nosso público é um aspeto muito interessante: por um lado, temos um público mesmo muito jovem, de pessoas com menos de 21, 22 anos (o que é uma excelente surpresa), e por outro, o público mais tradicional do cinema, ao mesmo tempo que sentimos haver pessoas a descobrir o cinema connosco. E esse fenómeno passa nomeadamente pela proposta que temos de mostrar o património fílmico, a história do cinema, de uma forma contextualizada, que se traduz também em espaços de encontro, espaços formativos, de discurso e até de estudo, a funcionar como espaço social. Percebemos que estávamos certos naquilo que intuímos, que uma instituição cultural hoje tem de ser permeável a isso. Dou-lhe um exemplo: grupos de discussão, cinefilia, cursos de crítica, têm uma procura imensa. Esgotam logo.” 

Alimentar o espírito jovem

Numa altura em que muito se aventa sobre a falta de futuro do cinema enquanto experiência de local próprio, e se tende a arrumar a figura do cinéfilo numa ideia bafienta de antiguidade, estas são notícias tão esperançosas quanto um filme de Kaurismäki. O que se segue em 2024? Segundo o responsável artístico do Batalha, a missão é seguir em frente, sem perder de vista as orientações do que foi feito e deu frutos. “Vamos continuar o trabalho desenvolvido, em termos de linhas de programação, com algumas coisas novas que estamos a experimentar. E aqui destaco o projeto lançado no final de 2023, “Tesouros do Arquivo”, em que exibimos grandes obras recentemente restauradas por laboratórios importantes e cinematecas, fazendo uma mediação entre uma história do cinema restaurada e o público que nos visita.” Uma plataforma de conhecimento que adota a partir de agora um formato regular, de sessões quinzenais, ao longo do ano. 

Mas há mais vida no quotidiano do Batalha. “Outro modelo que resultou bem, e que será para continuar, é o das retrospetivas longas, em que as pessoas vão acompanhando uma filmografia – daquelas oportunidades de estar com uma obra, com tempo, que só existe nas cinematecas. É o que estamos a fazer com o Tsai Ming-Liang, foi o que fizemos com o David Cronenberg, a Joanna Hogg, etc., e vemos que o público vai crescendo nestes ciclos”, diz, animado, Guilherme Blanc. “Mas não podemos esquecer também o cinema português, de arquivo e contemporâneo, a que demos muita atenção e vamos continuar a dar, e os ciclos temáticos, com assuntos que achamos interessantes para uma ideia curatorial, e que oferecem uma grande versatilidade à programação.” Razões não faltam para se acreditar que uma sala de cinema é o lugar mais in da cidade. 

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