“Palácio do Conde de Pombeiro diz-nos muito a nós italianos, que, como os portugueses, gostamos de História”
O embaixador italiano levanta o olhar e lá está, no teto da Sala Arcádia, uma pintura de João Tomás da Fonseca de notável graciosidade, cheia de personagens que se percebe serem reis e rainhas, também um Papa, de costas, mas facilmente reconhecível pelas vestes. “É muito interessante, porque se chama O Triunfo da Dinastia de Avis. Nele vemos D. Manuel I rodeado de muitos outros soberanos, de várias épocas. Estão ali a imperatriz da Áustria, uma czarina, o sultão turco, Francisco I de França, também Augusto e até Alexandre Magno. O artista quis colocar a dinastia de Avis no meio da História da Europa”, conta Claudio Miscia, que fala português, resultado, explica, de ter mãe brasileira, ter vivido em jovem no Brasil, visitar muito Portugal e também de ter sido embaixador em Angola. Desde o ano passado em Lisboa, está agora a organizar a celebração do centenário da aquisição do Palácio do Conde de Pombeiro pelo governo italiano. É uma das mais belas embaixadas em Portugal e “uma das mais belas embaixadas italianas no mundo”, sublinha Miscia, lembrando que numa publicação feita pelo ministério em Roma a destacar os palácios que albergam representações diplomáticas do país “a fotografia da capa é do de Lisboa”.
O palácio foi construído no início do século XVIII, para o terceiro Conde de Pombeiro, D. Pedro Castelo Branco Correia da Cunha, neto de D. Luísa Ponce de Leão, uma das damas de companhia de Catarina de Bragança, que foi rainha de Inglaterra. Depois da morte do marido, Carlos II, a infanta portuguesa, famosa por ter levado o chá das cinco para a corte inglesa, regressou a Portugal e doou àquela que era a sua aia favorita o terreno onde está hoje a embaixada. É por isso que um dos conjuntos de azulejos do palácio, embora bem mais tardios, retrata o casamento por procuração da filha de D. João IV em Lisboa, todo um cerimonial representado em tons de azul e branco. “Uma obra de arte. Adoro estes azulejos, pois algo que une os portugueses e os italianos é o amor pela História”, comenta o embaixador Miscia, que relembra que o palácio teve uma reconstrução depois de danificado pelo terremoto de 1755.
Reconstrução e também remodelação, por iniciativa de José Luís de Vasconcelos e Sousa, Marquês de Castelo Melhor e Conde de Pombeiro por casamento. No essencial, o palácio de hoje é aquele que ele deixou, com uma fachada imponente, um amplo pátio, um jardim frondoso, e um conjunto de salas decoradas com obras de arte portuguesas, às quais foram sendo acrescentadas, no último século, peças trazidas de palácios italianos, como as lunetas que estavam no Palácio Torlonia, em Roma, frescos de Francesco Podesti, o mais apreciado a ser aquele que representa o velho cão Argos a reconhecer Ulisses, regressado a Ítaca. Os próprios azulejos, sublinha, não são tão antigos como se chegou a pensar.
“Quando o Visconde de Azarujinha compra o palácio, manda fazer estes azulejos ao grande artista Pereira Cão, mas pede que sejam, como diríamos hoje, vintage, ou à antiga, e que contem a história do palácio. Isso conduziu a um erro de interpretação, até que um neto de Pereira Cão estudou isto e encontrou as cartas em que o avô dizia ter feito os azulejos. São do começo do século XX. Muito belos”, diz o embaixador, que tem a brincar à sua volta Flip, um “meio husky” que já conhece todos os cantos à casa.
“Comprámos este palácio em 1925 ao Visconde de Azarujinha e, como pode imaginar, sendo muito grande, precisa continuamente de restaurações, de intervenções de melhorias. O palácio hospeda atualmente a embaixada, o consulado, a residência do embaixador, mais três residências particulares. Além disso, tem uma parte onde se guardavam os cavalos, e hoje em dia os carros, e um jardim muito grande. Então, é muita coisa e precisa de muitos cuidados. Sendo este ano o dos 100 anos da compra, decidimos fazer um programa especial que se chama ‘Centenário da Aquisição do Palácio Pombeiro’ e que inclui 20 projetos. Alguns desses projetos são efetivamente de restauração. Por exemplo, estamos neste momento a reparar o telhado, que é prodrómico para a restauração dos interiores. Mas não é somente isso, é também o bem-estar de quem trabalha aqui. Temos um projeto chamado ‘Embaixada Verde’ para poupar energia e separar o lixo, dependendo do que pode ser reciclado ou não. Há outro que é a restauração das fontes no jardim. E ainda outro que é alugar o palácio a empresas, que podem ser italianas ou não, que queiram fazer aqui o próprio showroom, um, dois, três dias. Estamos muito empenhados e este ano será especial. Já em 2024 conseguimos terminar seis dos 20 projetos. Então, estamos otimistas. E um dos projetos, será, talvez não este ano, mas em 2026, a publicação de um novo livro que mostre os factos novos que conseguimos descobrir com estes programas de restauro”.
A conversa, espécie de visita-guiada, começou junto dos painéis de azulejos que retratam o casamento de Catarina de Bragança; depois seguiu-se o pátio, onde outro painel de azulejos mostra figuras nobres da família, um deles o Conde de Pombeiro; continuou no jardim, onde um antecessor plantou um limoeiro de Amalfi por entre ciprestes e salgueiros, e no qual existe a ermida capela Santa Maria Madalena, já restaurada, que é mais antiga do que o palácio talvez dois séculos. Há ainda um terceiro painel de azulejos, desta vez dedicado aos jogos de equitação e às festas. Depois visitamos o interior, salas lindíssimas, decoradas com elegância, com alguns móveis e pinturas de origem, mas muitos mais trazidos de palácios reais como os de Turim, de Milão e de Génova. Paramos na chamada antecâmara, onde Miscia elogia a “luminosidade” de Bacanal de Chioggia, de Antonio Rotta, pintor italiano do século XIX.
Voltemos à Sala Arcádia, na realidade o Salão Pompeiano, devido às decorações grotescas, um estilo muito usado nas casas de Pompeia, atribuídas a Cirilo Volkmar Machado. E Sala Arcádia porquê? “Aqui se reunia a Nova Arcádia Lusitana, em serões literários animados pelo padre Lereno, um padre carioca mulato, que compunha e tocava na viola essas modinhas. Bocage chegou a fazer parte do grupo, mas depois passou a criticá-lo”, explica o embaixador, que tem planos para fazer no Palácio Pombeiro, neste ano do Centenário, uma evocação desse grupo, “algo alegre, cultural, mas sem nos sentirmos oprimidos pela cultura, onde a cultura seja o que se partilha e não somente o que se sabe”.
A beleza do palácio faz com que alguns ministros italianos de visita a Portugal, por vezes, optem por dormir na embaixada, que tem acomodações preparadas, em vez de irem para um hotel. “Gosto e até incentivo, pois quero que vejam com quanto amor nós tratamos este palácio, porque, e repito, os italianos são como os portugueses, gostamos muito de História”, diz Miscia.