O orgulho afro-americano numa super-heroína da Marvel
Com estreia esta sexta-feira no Disney Channel, e a partir de dia 15 disponível no Disney+, Moon Girl e o Dinossauro Diabólico traz uma pequena grande novidade às séries de animação. Trata-se da primeira super-heroína adolescente e afro-americana a surgir no pequeno ecrã. Um marco associado ao nome de Laurence Fishburne, aqui produtor executivo e voz de um divertido supervilão.
Uma menina de 13 anos e um T-Rex vermelho: eis o escudo protetor do Lower East Side dos dias de hoje. É pelo menos essa a proposta da série de animação Moon Girl e o Dinossauro Diabólico, uma nova abordagem vibrante e frenética de super-heróis em cenário nova-iorquino, que traz também um novo ponto de vista para o público juvenil habituado a animação televisiva praticamente alheia a vivências específicas. A Moon Girl do título não é, porém, uma menina qualquer. Lunella Lafayette destaca-se como um autêntico génio científico (nem sequer lhe faltam uns óculos de aros redondos), capaz de façanhas tão prosaicas como... teletransportar um dinossauro da Pré-história para o presente, e fazer dele a sua metade heroica. Em todo o caso, é a cor de pele e o cabelo volumoso de Lunella/Moon Girl que indicam as nuances do caminho. A saber: as aventuras desta adolescente afro-americana misturam o imaginário Marvel com a experiência de ser parte de uma comunidade em particular, como se diversão e consciência social fossem os dois lados da mesma moeda.
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A personagem Moon Girl surgiu pela primeira vez numa banda desenhada homónima de 2015, concebida por Brandon Montclare e Amy Reeder e ilustrada por Natacha Bustos. Funcionava como uma sequela de Moon-Boy and Devil Dinosaur (1978), que Laurence Fishburne leu na adolescência, tendo despertado no ator de Matrix um interesse especial. "Seria uma simplificação exagerada dizer que houve um momento em que decidi avançar com isto", começa por explicar o mais sonante produtor executivo da série numa conferência de imprensa virtual em que o DN participou. E continua: "Como alguém que cresceu com Super Friends, Hong Kong Phooey, Os Flintstones, Pica-Pau, etc., a trajetória da minha carreira como artista trouxe-me a este lugar. Conheci a Moon Girl e o Steve [Loter] na hora certa."
Steve Loter é o outro produtor executivo de Moon Girl and Devil Dinosaur, um animador atento aos detalhes da criação de um universo, como seja a cidade colorida que se vê no ecrã: "Eu cresci em Nova Iorque nos anos 1980/90, naquela zona [Lower East Side]. Estava lá nos primeiros tempos da arte do graffiti - foi antes da gentrificação, um momento perfeito em que a criatividade, imaginação, música, poesia, livros eram ainda muito vibrantes na cidade. Queria captar isso na série, porque já vi Nova Iorque deturpada em muitas animações. Para isso, contamos com várias referências artísticas: o processo de serigrafia de Andy Warhol, o graffiti de Jean-Michel Basquiat, os murais de arte de rua... Tudo para trazer o sabor dessa Nova Iorque."
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Mesmo que a ação se passe numa Nova Iorque contemporânea, esta sensibilidade gráfica e musical, que respeita o ADN criativo do Lower East Side, é indispensável para se perceber a energia identitária da produção que chega agora ao Disney Channel e Disney+, com um elenco de vozes escolhido a dedo.

Lunella Lafayette, a Moon Girl, destaca-se como um autêntico génio científico (nem lhe faltam uns óculos de aros redondos).
Desde logo, Diamond White, que dá alma à heroína, fala de uma espécie de sonho realizado: "Quando tinha sete anos, tudo o que queria era ver uma personagem como esta ganhar vida. Por isso, é muito fixe ter alguém com o meu tom de pele e a minha textura de cabelo [visível no ecrã]. A representatividade é muito importante para mim." Representatividade foi, de resto, uma das palavras mais ouvidas ao longo da conferência, porque a própria natureza do projeto implica regressar ao tema uma e outra vez: "Fizemos história com a primeira super-heroína adolescente negra da Marvel! Como se diz a certa altura na série, "uma rapariga pode fazer a diferença". E acredito que esta animação vai fazer a diferença na vida de muitas pessoas", reforça a atriz.
Num episódio particularmente original deparamos com o drama capilar de Lunella, que se deixa inibir por comentários alheios, sem saber que penteado "engendrar" (inclui uma experiência científica) para colher elogios das colegas de turma. É o reflexo de uma crise transitória que afeta muitas jovens afro-americanas. E a própria Diamond White sentiu-o na pele: "Definitivamente, sei o que é ter alguém a dizer que o meu cabelo é crespo ou despenteado, por isso foi valiosa a oportunidade de ver um episódio em que a Lunella alisa o cabelo... Tocou-me muito cá dentro, no sentido em que já passei por isto. Ao cresceres como negra, o cabelo torna-se realmente o teu inimigo, e mais uma vez, é algo que nunca tinha visto na televisão." No fundo, um episódio inteiro que expressa uma declaração de orgulho em relação à cabeleira afro ("o nosso cabelo é político", diz a mãe de Lunella) e que foi desenhado para alcançar a máxima verdade da situação, no meio do arranjo divertido. "Muitas das histórias de Lunella são baseadas em experiências da vida real das nossas argumentistas, que as transferiram para a ótica da personagem. A autenticidade era primordial", sublinha Loter.
Importa também realçar o fator "rapariga inteligente", que torna ainda mais específica esta personagem, nas palavras de Fishburne: "Não interessa qual o teu género, cor, fé ou o país onde vives - sempre achei que era muito cool ser inteligente. E este tipo de representação importa porque não podes ser aquilo que não podes ver! Se mais raparigas negras puderem ver a experiência de uma pessoa como a Lunella, talvez não tenham medo de mostrar a sua inteligência e lidar com essa inteligência." Diz o ator que dá voz a The Beyonder, garantidamente um dos vilões mais cool da série, com um espírito travesso e curioso, que no fim de contas não é assim tão mau... Ele só quer estudar os terráqueos, essa espécie complexa.
dnot@dn.pt
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