O olhar mais antigo e de quem não gostava do Marquês de Pombal
Além do primeiro volume da Obra Completa Pombalina, Escritos da Inglaterra 1738-1743, já publicado, o levantamento que reúne 55 mil documentos diretamente relacionados com o Marquês de Pombal, e que irão ser divulgados nos restantes 49 volumes previstos, teve recentemente um acrescento inesperado: a Primeira Biografia do Marquês de Pombal. Um retrato contemporâneo de Pombal escrito pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José de Mendonça (1725-1808).
O manuscrito da biografia foi encontrado no Mosteiro de S. Bento da Bahia em 2010 pelo investigador Rafael Magalhães, que era orientado na sua tese pela filóloga e paleógrafa Alícia Duhá Lose. Após os estudos para datar e apurar a autoria do texto que biografava o Marquês de Pombal, ambos foram convidados pelo responsável da Obra Completa, o historiador José Eduardo Franco, a integrar o projeto Pombal Global. A principal novidade que esta biografia gerou nos estudos sobre Pombal foi a de definir Sernancelhe como a terra natal do governante.
Para Alícia Lose chamar de biografia ao livro agora publicado não é um exagero: “Chamamos biografia porque começa com o nascimento e relata várias fases da vida do Marquês, mesmo que depois vá mudando de tom e focando-se no papel dele mais como administrador do que como pessoa. No entanto, toda a sua vida está presente no texto.” Não se pode deixar de perguntar se esta “biografia” altera a perspetiva que se tem do Marquês de Pombal, situação que a paleógrafa desfaz: “A perspetiva, não. Mas o facto de ser uma biografia feita na sua época dá uma carga histórica diferenciada ao protagonista porque o texto é sempre corroborado por documentos, alguns citados e outros sugeridos, e é um relato muito detalhado. Além de que, com a novidade do verdadeiro local de nascimento, situação a que alguns dos estudiosos do Marquês torceram o nariz mas nunca foi negado à época e, sendo este documento feito em vida do biografado, não se tem notícia de que ele tenha contestado a informação.”
Esta Primeira Biografia do Marquês de Pombal torna-se uma leitura fundamental para os interessados no protagonista devido ao retrato muito contemporâneo do seu período de vida, sendo que não é elogioso nem só crítico, antes redigido “sob a perspetiva de um antagonista” que tem um acesso privilegiado a situações e a figuras de destaque que lidavam com Pombal. Nas páginas iniciais desta edição, além de uma ótima introdução, existe uma cronologia que explica de forma ilustrada as fases da certificação paleográfica deste documento.
Uma das grandes questões que exigiram um desenvolvimento aprofundado da investigação para publicação desta biografia foi apurar a autoria do texto manuscrito. Alícia Lose refaz o processo: “O meu orientando Rafael Magalhães veio para Portugal fazer um levantamento da documentação pombalina que está na Biblioteca Nacional de Portugal de forma a poder-se descobrir a autoria do texto e que mão o tinha escrito. Sabíamos que quem tinha escrito a biografia não era Pombal, mas como era um texto muito detalhado perguntou-se se não teria sido feito a pedido de Pombal. Havia outra dúvida, a de que o autor não a escrevera sozinho pois existiam outras mãos na escrita. Mais uma vez se confirmou que não era relacionado com o Marquês pois a escrita não era da sua mão nem daqueles que em algum momento escreveram por Pombal. Em vários momentos ele delegou a escrita a outras pessoas, entre elas a mulher, condessa de Daun, e o filho, sendo que das que se estudaram, feitas as comparações com a caligrafia do registo, concluiu-se que nenhuma destas mãos que escreveram por Pombal era a mão do nosso manuscrito.”
Anos depois da descoberta deste documento biográfico, a equipa que integra o levantamento do Pombal Global encontrou uma segunda versão desta biografia na Universidade de Coimbra. Alícia Lose explica: “Ficou bem claro que era um texto anterior ao nosso, de uma mão só e mais limpo, apesar de conter rasuras e acrescentos assimilados.” As descobertas ainda não tinham terminado, como conta: “Com o texto de Coimbra, fomos atrás da indicação do dono do documento e confirmou-se no arquivo do Patriarcado que a redação era da mão do patriarca de Lisboa, D. José de Mendonça. Quando já se estava a terminar o trabalho de fusão dos dois documentos, localizou-se um terceiro documento, o da Universidade de São Paulo, um texto intermédio entre o da Bahia e o de Coimbra, que foi usado para cotejar.”
Ao integrar o projeto Pombal Global, Alícia Duhá Lose passou a ser consultora para a parte paleográfica: “Verificar as mãos que escrevem por ele, bem como as características paleográficas da sua mão, se é jovem ou velha, ou se os documentos eram produzidos na sua escrivaninha.” O treino para identificar a letra de Pombal decorre da consulta de documentação: “A primeira mão a investigar foi a dele para confirmar se esta biografia teria saído do seu escritório. Que tem características bem peculiares de escrita: de quem manda e não de quem escreve muito, uma mão dentro de um modelo caligráfico bem próximo da escrita francesa que era vigente naquele período, a da escrita cursiva e inclinada.” Ao ler muitos documentos de Pombal, Alícia Lose não tem dificuldade em distinguir as das várias idades: “Sim, consegue-se perfeitamente. Quanto mais ele envelhece menos escreve e mais subscreve. As cartas mais pessoais são dadas ao filho, sendo que a mulher escreve também muito e tem uma letra mais bonita que a dele.”
PRIMEIRA BIOGRAFIA DO MARQUÊS DE POMBAL
D. José de Mendonça
Temas e Debates
430 páginas
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A figura do Condestável sempre atraiu leitores e o reaparecimento atual dos nacionalismos torna, segundo o autor desta biografia, necessária a leitura da história de uma figura com tantos séculos e que pugnou por cenários políticos em muito parecidos aos vividos agora. Um exemplo: “O mais importante e singular no Portugal de Nun'Álvares é a convergência de uma nova liderança política com o apoio de uma comunidade em rutura e uma teoria de legitimação”.
NUNO ÁLVARES PEREIRA
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