Argento a dirigir a filha, Asia, em O Fantasma da Ópera (1998).
Argento a dirigir a filha, Asia, em O Fantasma da Ópera (1998).

O ABC de Dario Argento e outras curiosidades no Doc Terror 

Na programação do MOTELX, o género documental também aterroriza. Entre ilhas habitadas por extraterrestres, 'true crime', ciberespaço e um olhar sobre a obra de Dario Argento, há temas para todos os gostos – para além de uma nova secção e filmes proibidos pelo Estado Novo. 
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Anunciada a sua presença no MOTELX de 2022, onde estreou o último filme, Óculos Escuros, o nome de Dario Argento volta a integrar a programação do Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, desta vez como alvo de um documentário. Depois de ter deixado memórias a quem testemunhou a sua masterclass na edição de 2012, e de, afinal, à última da hora não ter conseguido comparecer de novo há um par de anos, agora vemo-lo no grande ecrã, retratado na qualidade de mestre de culto que é: Dario Argento: Panico, de Simone Scafidi (hoje, 18h35, sala 3 do Cinema São Jorge), cumpre o desígnio de refletir o percurso de um dos maiores cineastas italianos, tentando fixar ideias sobre o que o torna único na paisagem do cinema de terror e o modo como o seu legado vem inspirando outros realizadores. 

Com um início a cruzar imagens com aquele outro de Suspiria (1977), em que Jessica Harper é transportada numa noite chuvosa para a academia de balé – aqui é Argento a ser levado para um hotel –, o filme de Scafidi segue pelos caminhos tradicionais do retrato de artista, mas não deixa de ser perspicaz em detalhes como este. Porquê um hotel? Porque foi sempre em hotéis, com os seus quartos desligados do mundo, que o cineasta escreveu os guiões a filmar, e quando Scafidi começou a segui-lo para fazer o documentário, Argento estava a terminar a escrita de Óculos Escuros...  

Nos intervalos desse processo criativo acedemos então ao octogenário autor de Profondo Rosso, que conta como se afeiçoou ao rosto feminino assistindo à azáfama das sessões da mãe fotógrafa, responsável por retratos de divas como Sophia Loren e Anita Ekberg, ou como um pensamento de suicídio lhe passou pela cabeça diante de uma janela durante a rodagem de Suspiria, estando a produção a correr lindamente... São confissões como estas que ajudam a desenhar um esboço de Argento, somando-se ainda os contributos de Guillermo del Toro, Gaspar Noé, Nicolas Winding Refn e da filha Asia Argento, entre outros, na dissecação da sua arte visual e sonora, que nasceu das influências de Hitchcock, Sergio Leone e da vasta biblioteca do pai, Salvatore Argento, produtor dos filmes da primeira fase de Dario. 

E.T. no Chile e tecnologia maligna

Do medo concreto e abstrato deste mestre do giallo passa-se para os fantasmas da ditadura militar chilena, em Alien Island (dia 15, 17h45), um documentário de Cristóbal Valenzuela Berríos que, através de uma cuidada encenação e linguagem de ficção científica, explora a mitologia da ilha Friendship, que se acreditava ser habitada por extraterrestres. Entre as histórias dos amadores de rádio que nos anos 1980 tinham comunicações misteriosas com alguém de lá e o caso particular de Ernesto de la Fuente, que se disse curado de um cancro depois de contactar com esses seres alienígenas, eis um arrepiante estudo sobre o efeito encantatório de uma grande ilusão fabricada ao serviço da ditadura de Pinochet. 

Finalmente, os dois restantes documentários da secção Doc Terror debruçam-se sobre o tema da tecnologia: So Real, de Amanda Kramer (dia 16, 16h40), mergulha lúdica e filosoficamente na questão do ciberespaço no cinema, pela voz de Debbie Harry (Blondie), tocando no nervo dos perigos tecnológicos; e The Lie, de Helena Coan (no mesmo dia, 22h00), surge como uma demonstração tenebrosa desses perigos. Trata-se do caso mediático da britânica Grace Millane, de 21 anos, assassinada em 2018 durante uma viagem à Nova Zelândia, na sequência de um encontro via Tinder. The Lie segue os passos da jovem nas suas últimas horas de vida através das câmaras de vigilância dos locais por onde passou, e foca-se especialmente no interrogatório que a polícia fez ao assassino (comprovado), mostrando a evolução do seu discurso mediante as provas que expuseram mentiras, e o nível de cálculo monstruoso das suas movimentações a seguir ao crime. Um documentário true crime que nos põe a investigar, enquanto olha de frente a violência contra as mulheres – esta exibição inaugura a True Crime Night. 

Nova secção e 25 de Abril

Sempre original nas secções, à 18ª edição o MOTELX traz a novidade Sala de Culto, dedicada a um certo cinema inclassificável... e de culto, onde se poderá conferir um título de 1987, Experiência em Terror, de António de Andrade Albuquerque (dia 13, 23h40), e uma produção recente, O Velho e a Espada, de Fábio Powers (dia 14, 21h30). Já o ciclo “A Bem da Nação – Filmes de Terror Proibidos pelo Estado Novo” comemora os 50 anos do 25 de Abril com cinco obras atentatórias da boa moral: de 10 Rillington Place, de Richard Fleischer, a Il Demonio, de Brunello Rondi, há pérolas a passar por aqui. 

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