Novas aventuras do destino
Decididamente, estes são tempos de revisão de muitas certezas identitárias: históricas, filosóficas e, claro, sexuais. O cinema continua a encenar personagens, homens e mulheres, que são uma espécie de náufragos das ilusões "libertárias" com que gostamos de nos descrever e, sobretudo, imaginar. A estreia de Os Jovens Amantes, da cineasta francesa Carine Tardieu, remete-nos, uma vez mais, para tal universo, com um misto de contenção dramática e nostalgia "romântica" que merece ser sublinhado. Aliás, na mesma "tendência" se poderá situar outra estreia da semana, Boa Sorte, Leo Grande.
Os Jovens Amantes atrai algumas memórias "cinéfilas". Assim, recordemos que, de Lolita (1962), de Stanley Kubrick, a Lost in Translation (2003), de Sofia Coppola, há todo um historial de filmes que encenam "romances" (a raiz literária da palavra não é, obviamente, acidental) de homens velhos com mulheres mais ou menos jovens, ou mais jovens que eles. Os Jovens Amantes conduz-nos a um contraponto "democrático", levando-nos a citar exemplos em que as idades de mulheres e homens surgem numa relação inversa, incluindo A Primeira Noite (1967), de Mike Nichols, e A Pianista (2001), de Michael Haneke. Os exemplos (e as muitas palavras entre aspas) são suficientes para reconhecermos que estamos perante filmes de sensibilidades muito diversas, nessa medida não definindo, nem mesmo em termos meramente descritivos, um qualquer "género" cinematográfico.
Tudo acontece, então, entre Pierre, um médico na casa dos 40, e Shauna, uma mulher à beira de completar 71 anos: na altura da rodagem, os respetivos intérpretes - Melvil Poupaud e Fanny Ardant - tinham 48 e 72 anos. O seu primeiro encontro dá-se em 2006, na cidade de Lyon, quando Pierre acompanha os dias terminais de Mathilde, uma amiga de Shauna. Se quisermos ser psicanalíticos (porque não?...), e tendo em conta a situação de Mathilde, diremos que esse momento "fundador" da sua relação acontece sob o signo da morte. E também da imagem: Pierre acaba por ficar com uma fotografia que Shauna lhe mostra (onde ela está com Mathilde)... Só se encontrarão quinze anos mais tarde, aí nascendo uma paixão de muitas tensões: ele casado, com dois filhos, ela enfrentando os primeiros sinais da doença de Parkinson...
Com grande mérito dos dois intérpretes principais, nem Pierre, nem Shauna são tratados como "símbolos" (etários, sociais, geracionais, ainda menos sexuais...). O filme enfraquece-se sempre que tenta "enquadrar" as suas trajetórias - por exemplo, no tratamento algo apressado da família de Pierre, ou nas situações em que Shauna lida com os sinais da doença -, mas o essencial acontece nesse encontro de duas solidões que, subitamente, resplandecem uma na outra. Talvez resida aí a peculiar vibração emocional de Os Jovens Amantes: atrever-se a tratar como fenómeno de "juventude" uma odisseia amorosa a que o destino não parece oferecer qualquer forma de resgate.
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