Nova exposição do ciclo "Território" mostra "artistas que andam entre dois mundos"
Logo à entrada da galeria está um conjunto de calçado que, por breves instantes, nos fazem questionar se será necessário tirar os sapatos. Mas não, aquela é mesmo a primeira obra a ser mostrada na Fidelidade Arte no âmbito do ciclo expositivo "Território", uma parceria entra o Grupo Fidelidade e a Culturgest.
Botas, sapatilhas, sandálias e chinelos, de vários tamanhos e em preto sólido estão cuidadosamente dispostos de forma desordenada sobre o pavimento de pedra. Fiona Connor é a autora da obra e ela explica que as peças são feitas de bronze e pesam cerca de 23 quilogramas. A artista neozelandesa revela que o objetivo é mostrar "todas as outras coisas que se passam numa exposição". Radicada em Los Angeles, muito do trabalho de Fiona Connor assenta na recontextualização de objetos do quotidiano através da criação de réplicas.
A artista tem mais contribuições nesta exposição com curadoria da MARQUISE, um projeto expositivo independente de que é fundador Pedro Ramos. Mas é preciso estar atento e olhar para onde as paredes quase tocam o chão. Scuff #3 é uma marca de uma sola de bota, feita com stencil e grafite, e trata-se da reprodução de uma que existe mesmo numa parede de uma sala de aula na UCLA, universidade onde a artista leciona: "É quando o corpo se encontra com a pele da arquitetura", diz Fiona nesta visita de imprensa. "As coisas que desconsideramos retêm muita informação. Desconsideramo-las, mas quando as trazemos para dentro da galeria...Eu desloco-as para o espaço elevado de um cubo branco".
Ao longo da visita haveriam de aparecer mais duas destas impressões, Scuff #6 e Scuff #7, réplicas de marcas de mobiliário da mesma universidade deixadas na parede "por debaixo da tomada", detalha a artista. "A forma segue a função, talvez".
A exposição, a que o curador deu o nome de "Se eu tivesse mais tempo, teria escrito uma carta mais curta", estará aberta ao público entre os dias 27 de janeiro e 3 de maio de 2025, das 11 às 19 horas de segunda a sexta-feira, e a entrada é gratuita. Trata-se da mostra número oito de um conjunto que inicialmente era para ser de nove exposições, mas que Bruno Marchand, programador de Artes Visuais da Culturgest, em declarações ao DN, revela que afinal serão dez no âmbito deste ciclo denominado "Território" que dá corpo à parceria entre a Fidelidade Arte e a Culturgest desde 2023. O grupo segurador proporciona o espaço, no coração de Lisboa, no Largo do Chiado, e a entidade cultural da Caixa Geral de Depósitos garante a curadoria. Em "Território", conforme explica Bruno Marchant, "abrimos o ciclo a curadores convidados, portugueses ou que trabalham em Portugal, para exposições coletivas".
O convite à MARQUISE, um projeto que nasceu em 2017, e que funcionou a partir de um apartamento residencial em Lisboa até 2020, surgiu por Bruno Marchand considerar que ele "invertia ou baralhava os dados, o programa que trazia era bastante refrescante". O repto foi para que Pedro Ramos trouxesse para o espaço da Fidelidade Arte os seus interesses artísticos. Aliás, o tema do ciclo remete precisamente para "o território de interesses, o território de investigação" dos curadores convidados.
Além dos trabalhos de Fiona Connor podem ser vistas obras de Laurent Dupont, Gianna Surangkanjanajai, Hans-Peter Feldman, Daan van Golden e Lourdes Castro. Pedro Ramos explica que o artista belga Laurent Dupont procura "tornar algo que é ignorado visível". Em concreto, Dupont traz quatro obras a esta mostra, sendo que três, as mais recentes (Lucky Boat e Bounty de 2024, e Eurogarden, de 2023) são caixas de cartão pintadas a acrílico reproduzindo e refrescando, com precisão, todas as inscrições no papelão, sejam letras, números ou desenhos.
"As caixas são um pouco silly. Eu não quero dizer nada com elas, antes o oposto", diz o artista belga, que também marcou presença nesta apresentação aos jornalistas. Esta série de trabalhos, explica, começou em 2020 com a covid. "No tempo da covid, com o lockdown, não havia pessoas na rua, mas havia caixas de coisas que as pessoas recebiam. A minha atividade principal era ir ao lixo apanhar algumas", conta. Laurent Dupont exclui qualquer significado das peças, e fala em "pintura meditativa". "Façam a vossa própria viagem com elas", sugere.
"Interessa-me muito os artistas que andam entre dois mundos" afirma Pedro Ramos, e parece ser essa a linha que une os nomes em exibição. Na folha de sala da exposição, o curador escreve que "através das suas variadas abordagens à rejeição e à reprodução, estes artistas geram novas formas - não soluções, mas mutações (...). E, por vezes, a versão é simplesmente melhor do que o original".
Pedro Ramos escreve ainda que tem "uma admiração despudorada pelos artistas vivos apresentados nesta exposição, os quais tive oportunidade de conhecer pessoal e profissionalmente. Quanto àqueles que já não se encontram entre nós, o seu trabalho marcou-me de forma indelével". É o caso do neerlandês Daan van Golden, do alemão Hans-Peter Feldmann e da portuguesa Lourdes Castro.