Se um desconhecido o convidar para uma rumba ou um tango, e o leitor estiver no recinto da FIARTIL (no Estoril, mesmo ao lado do Casino) no próximo fim-de-semana, saiba que tal não se deve apenas ao seu poder de sedução, mas porque ali decorre mais um mercado multicultural. O sétimo consecutivo, promovido pela Casa da América Latina em Lisboa, promete aos visitantes três dias de festa, em que não faltarão os petiscos dos vários países participantes, as bancas de artesanato regional e, como não podia deixar de ser, muita música, dança e uma programação pedagógica destinada ao público infanto-juvenil..Ao todo são perto de 80 expositores, 48 dos quais dedicados à restauração e cinco restaurantes, com menus oriundos do Brasil, Paraguai, República Dominicana, México e um quinto dedicado às carnes sul-americanas, famosas pela sua excelência. Entre a equipa da Casa da América Latina (CAL), a expectativa é alta, já que, no ano passado, este mercado registou uma grande adesão do público, com cerca de 14 mil pessoas a pagar bilhete. .Mas, como realça Manuela Júdice, secretária geral da instituição, o entusiasmo criado não se afere apenas pelo critério da bilheteira: “Temos um número crescente de instituições e cidades portuguesas a querer aderir. Este ano, por exemplo, teremos uma representação da Vidigueira, liderada pelo seu presidente da Câmara, Rui Raposo, que nos trará cante alentejano, vinho da talha, uma especificidade local, e gastronomia. No fundo, estamos também a trazer Portugal para dentro da América Latina.” Isto sem esquecer o apoio da Câmara Municipal de Cascais, que fornece o espaço para este mercado há vários anos, mesmo durante a pandemia, em circunstâncias muito difíceis..Hoje, às 19 horas, logo depois da inauguração, o Peru mostra as suas danças tradicionais, mas a noite continuará com outras propostas musicais vindas da Colômbia, Argentina e México. No sábado, haverá aulas de tango, espetáculos de cante (com Os Vindimadores da Vidigueira) e folclore. A partir das 22 horas, atuará a “estrela” do forró e frevo Pernambuco, Gerlaine Lops, com muitos bailarinos em palco e a promessa de muita animação. Na noite de domingo, os ritmos virão do Caribe, com os cubanos José Debray e Oswaldo Pegudo..Na Casa da América Latina podem ver-se alguns exemplos do artesanato de algumas países que estarão presentes no mercado que hoje abre portas na FIARTIL, no Estoril.Crédito: Leonardo Negrão.Outra das novidades desta edição é a atenção dada aos visitantes mais pequenos, que não sendo exatamente uma novidade, sai muito reforçada. Carla Antunes, coordenadora da área de eventos da CAL, espera muita adesão: “Ao longo de todo o fim-de-semana haverá workshops e jogos, como caças ao tesouro, oficinas de artes, horas do conto, pinturas faciais e também aulas de dança. A nossa ideia é que as crianças se divirtam, mas também que aprendam, brincando. Haverá oportunidade para descobrirem vários aspetos sobre os vários países, desde a música às respetivas bandeiras.”.A visibilidade deste mercado, realizado anualmente, traz ao conhecimento de milhares de pessoas o que é o trabalho diário desenvolvido pela CAL, pelo menos nos últimos 13 anos. O que, como nos conta Manuela Júdice, “começou por ser um pequeno arraial destinado a eventos culturais destes países tornou-se uma oportunidade de negócio para pequenos empresários latino-americanos que residem em Portugal e trabalham em áreas como o artesanato, restauração ou têm pequenas lojas de alimentação.” O que tem funcionado bem, explica ainda: “Lembro-me de uma empresária mexicana que nos procurou para dizer que o seu volume de vendas aumentou 20% depois de ter participado neste mercado. No fundo, esta iniciativa acaba por ser uma montra, onde podem mostrar o que fazem a milhares de pessoas.”.Paralelamente a esta componente comercial, há que ter em conta as propostas das embaixadas dos países latino-americanos representados em Portugal. Cristina Valério, com o pelouro da Economia e Empresas na CAL, destaca, nesta edição, o espetáculo de Gerlaine Lops, proposto pela Embaixada do Brasil, mas também o folclore colombiano, entre outras atividades que podemos enquadrar na categoria de diplomacia cultural. “São iniciativas não muito diferentes daquelas que realizamos em Lisboa, na nossa sede, mas com uma diferença substancial: Aqui, os artistas atuam para um auditório de 150 pessoas, na FIARTIL (como anteriormente no Mercado da Vila, em Cascais) o público pode chegar aos vários milhares de pessoas.”.Crédito: Leonardo Negrão.Como esta equipa bem sabe, tem sido longa a caminhada para chegar até aqui. Tudo começou há 25 anos, no âmbito da Câmara Municipal de Lisboa, mas com objetivos de divulgação cultural apenas. Quando Pedro Santana Lopes chegou à presidência da autarquia, a CAL foi transformada numa instituição sem fins lucrativos, que recorria ao financiamentos de empresas. Mas, recorda a secretária-geral, “a crise do subprime precipitou a saídas destas e a CAL entrou num impasse.”.A mudança decisiva produzir-se-ia em 2011, quando à componente cultural foi acrescentada a económica e o foco foi direcionado para as empresas portuguesas (então, a braços com os constrangimentos da era da troika) que trabalhavam (ou queriam trabalhar) com os mercados da América Latina. Manuela Júdice e Cristina Valério recordam com precisão qual foi a primeira empresa contactada e o produto que permitiu dar o desejado salto: “Foi a JP Sá Couto e em causa estava a possibilidade de vender para escolas de vários latino-americanos os computadores Magalhães.” O que, como sabemos, se concretizou: Em 2014, já se tinham vendido sete milhões de unidades, em 70 países, à cabeça dos quais estava o México. Depois disso, muita coisa aconteceu, em Portugal e no mundo, e muita estrada foi percorrida por esta equipa. Cristina Valério fala de empresas como a Embraer, em Évora, ou da Adega Cooperativa de Viseu, mas também do CEiiA, em Matosinhos, que desenvolve e opera novos produtos e serviços para industrias tecnologicamente avançadas (automóvel e mobilidade, aeronáutica, mar e espaço), com base na sustentabilidade. Entre outros trabalhos, o CEiiA desenvolveu o sistema que permite controlar o tráfego rodoviário em cidades tão densamente povoadas como Milão ou Tóquio. .No foco destas missões estão também unidades de investigação, universitárias ou não, como o Instituto de Nanotecnologia, em Braga, ou Instituto Pedro Nunes, da Universidade de Coimbra, cuja especialidade é a construção de “pontes” entre a pesquisa universitária e o chamado tecido produtivo. Manuela Júdice lembra que, neste caso, o papel da CAL foi mostrar a instituição aos embaixadores. “A partir daí, criaram-se relações bilaterais e uma dinâmica própria, que hoje podemos dizer que é imparável.”.Para além deste incentivo à diplomacia económica benéfica para as duas partes, a CAL mantém hoje uma atividade cultural regular, dedicada a mostrar aos lisboetas aspetos artísticos dos países latino-americanos, tarefa que conta com as colaborações das representações diplomáticas. Até 30 de agosto, por exemplo, esteve patente uma exposição às tradições têxteis do Paraguai. .Este sistema de parcerias começou, como recorda agora Manuela Júdice, em plena pandemia: “Tínhamos de fazer alguma coisa para manter a casa a funcionar e começámos a mostrar museus online. Lembro-me que tinha acabado de inaugurar o Museu de La Mola, na cidade do Panamá, dedicado a um trabalho têxtil feito por sociedades matriarcais ainda hoje existentes naquele país, e o que nós fizemos foi incluir visitas virtuais no nosso site. Fizemos o mesmo com o museu dos Têxteis da cidade de Lima, o que acabou por agradar às representações diplomáticas daqueles países. A partir daí, foi uma bola de neve, com mais embaixadas interessadas em colaborar connosco.” Por isso, quando a pandemia deixou de impor os constrangimentos de todos conhecidos, as parcerias passaram do virtual ao real e têm vindo a produzir acontecimentos culturais de teor muito diverso. .Entre eles, Manuela Júdice recorda o sucesso de aulas de dança, em colaboração com a embaixada do México, que tiveram o Museu dos Coches como palco..Neste fim-de-semana, assegura Carla Antunes, “há muita coisa para fazer e descobrir, as famílias facilmente têm ali programa para passar horas.” A proposta é, pois, uma “viagem” aos ritmos, cores e sabores da América Latina. Da salsa ao samba, do guacamole ao churrasco argentino, pelo preço de 2.50 euros o bilhete (e as crianças até aos 12 anos não pagam). Vai uma dança?