Pormenor do cartaz do filme de animação 'Nezha contra o Rei dos Dragões'.
Pormenor do cartaz do filme de animação 'Nezha contra o Rei dos Dragões'. IMAGEM: D.R. / Macao Daily news

Nezha: a criança lendária da mitologia chinesa

O filme de animação 'Ne Zha 2', inspirado na mitologia chinesa, subiu ao topo da bilheteira mundial do género e estreará em breve na Europa. Aqui, iremos dar-lhe a conhecer Nezha e a sua história.
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Desde a sua estreia, a 29 de janeiro de 2025, que o filme de animação chinês Ne Zha 2 tem vindo a quebrar recordes de bilheteira na China. Em pouco mais de 20 dias, alcançou o 1.º lugar no ranking total de bilheteira do cinema chinês, liderando a bilheteira global de filmes de animação. Até à data, ocupa a 5.ª posição na lista de filmes de maior bilheteira na história do cinema mundial, tendo já ultrapassado os 300 milhões de espetadores.

Este filme, profundamente enraizado na cultura tradicional chinesa, apresenta a estética oriental de uma perspetiva moderna e criativa, combinada com tecnologia de animação de ponta, reinventando esta figura lendária amplamente conhecida na China, bem como a sua história. No filme, Nezha é um rapaz com um nascimento extraordinário, poderes mágicos impressionantes e uma personalidade rebelde, que, para salvar o seu melhor amigo e proteger a sua terra natal, trava batalhas épicas contra demónios, monstros e divindades.

Para aqueles que ainda não viram o filme, talvez surja a curiosidade: quem é Nezha? E por que é tão popular?

Imagem completa do cartaz do filme de animação 'Nezha contra o Rei dos Dragões', produzido em 1979 pelo Estúdio de Cinema de Animação de Xangai, retratando a icónica figura de Nezha
Imagem completa do cartaz do filme de animação 'Nezha contra o Rei dos Dragões', produzido em 1979 pelo Estúdio de Cinema de Animação de Xangai, retratando a icónica figura de NezhaIMAGEM: D.R. / Macao Daily News

Nezha é uma figura lendária da mitologia chinesa, mas não é um deus “originalmente chinês”. O seu nome tem origem no sânscrito “Nalakuvara” e a sua imagem remonta à mitologia indiana antiga, de acordo com a qual tinha uma aparência imponente, sendo frequentemente descrito como tendo “três cabeças e seis braços”, segurando tesouros mágicos e possuindo grande poder e aptidões sobrenaturais.

Nos textos budistas, Nezha era originalmente o terceiro filho de Vaisravana, o Rei Celestial, tendo por missão a proteção do Dharma, a subjugação de espíritos malignos e a manutenção da paz. Com a propagação do budismo para o Oriente, esta figura foi introduzida na China por via da tradução de sutras durante a Dinastia Tang (618-907), com a simplificação do seu nome para “Nezha”. Durante as dinastias Song e Yuan (960-1368), a sua imagem foi evoluindo continuamente, incorporando gradualmente elementos do taoismo chinês, o que culminou na sua sinização.

No famoso romance mitológico da Dinastia Ming (1368-1644), Fengshen Yanyi (A Investidura dos Deuses), a imagem de Nezha foi essencialmente consolidada: um herói com a aparência de uma criança de 7 anos. Entre os seus tesouros mágicos destacam-se o Anel Cósmico (Qiankun Quan) - um anel dourado com grande poder defensivo e ofensivo; a Lança da Chama Afiada (Huojian Qiang) - a sua principal arma, uma lança longa com a ponta envolta em fogo; o Fio de Seda Celestial (Huntian Ling) - um longo lenço vermelho capaz de prender inimigos e oferecer proteção; e as Rodas de Vento e Fogo (Fenghuo Lun) - o seu meio de transporte, constituído por duas rodas em chamas que lhe permitem mover-se rapidamente. Nezha também pode transformar-se numa figura com três cabeças e seis braços, possuindo vastos poderes divinos para proteger os territórios sob a sua guarda.

Em Macau, durante a procissão comemorativa do aniversário de Nezha, as crianças vestem-se como esta e outras divindades.
Em Macau, durante a procissão comemorativa do aniversário de Nezha, as crianças vestem-se como esta e outras divindades.FONTE DA IMAGEM: Gabinete de Comunicação Social do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.

O confronto entre Nezha e o Rei Dragão do Mar Oriental, é uma das passagens mais icónicas da mitologia chinesa: Nezha brincava à beira-mar e, sem intenção, perturba o Palácio do Dragão. Indignado, o Rei Dragão envia o seu terceiro filho, Ao Bing, para exigir satisfações. Durante um combate feroz, Nezha mata Ao Bing, enfurecendo o Rei Dragão, que ameaça vingar-se nos pais de Nezha.

Para não implicar a família, Nezha sacrifica-se, cortando a própria garganta como forma de expiação. Mais tarde, o seu mestre, o imortal Taiyi Zhenren, usou flores e raízes de lótus para reconstruir o seu corpo, ressuscitando-o.

Este conto lendário simboliza o espírito rebelde e indomável de Nezha contra o poder opressivo, refletindo também os valores da piedade filial - o respeito e amor pelos pais -na tradição chinesa.

Além disso, incorpora o conceito taoista de ressurreição, segundo o qual, através da prática espiritual e do sofrimento extremo, é possível alcançar a regeneração do corpo e da alma. Esta narrativa clássica foi adaptada para várias obras literárias e cinematográficas, sendo o filme Ne Zha 2 um dos exemplos mais recentes.

Em Macau, há muitos devotos de Nezha e encontram-se na cidade dois templos dedicados a esta divindade, sendo um deles situado junto às Ruínas da Antiga Catedral de São Paulo.
Em Macau, há muitos devotos de Nezha e encontram-se na cidade dois templos dedicados a esta divindade, sendo um deles situado junto às Ruínas da Antiga Catedral de São Paulo.FONTE DA IMAGEM: Gabinete de Comunicação Social do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.

Desde a Dinastia Ming que a lenda de Nezha goza de grande popularidade na tradição chinesa, evoluindo gradualmente para um culto religioso. Na Antiguidade, acreditava-se que as doenças e epidemias eram causadas por espíritos malignos, e Nezha, como divindade exorcista, tinha o poder de afastar os demónios e abençoar as pessoas com saúde. Além disso, na cultura tradicional chinesa, a flor de lótus simboliza pureza e virtude, pelo que se acreditava que Nezha, renascido do lótus, detinha o poder divino de afastar epidemias.

O culto de Nezha difundiu-se amplamente pelo sul da China, incluindo Macau, onde existem dois templos dedicados à divindade. Um deles, construído em 1888, situa-se próximo das emblemáticas Ruínas de São Paulo. Até hoje, estes templos continuam a ser locais importantes de veneração. Todos os anos, no dia 18 do quinto mês do calendário lunar, data do nascimento de Nezha, realizam-se grandes celebrações. Em 2012, o culto de Nezha em Macau foi incluído na lista do Património Cultural Imaterial de Macau e, em 2014, foi inscrito no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial da China.

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