Música no Coração. Um clássico intemporal que nos traz de volta o amor em tempo de guerra
Grande produção nacional leva ao palco um dos musicais mais bem-sucedidos de sempre. Agora com Sofia Escobar e Jorge Corrula a darem corpo e voz aos icónicos Maria e capitão Von Trapp, numa versão de concerto encenado que promete "surpreender o público".
Indiferente à azáfama de fim de tarde na Escola Fontes Pereira de Melo, no Porto, com a saída de alunos e filas de carros com pais à espera lá fora, Pedro Ribeiro tenta dosear o entusiasmo das crianças que tem sob a sua direção num espaço junto ao refeitório. É ali, no final de mais um dia de aulas, que a escola se torna num palco improvisado onde se imagina o cenário dos Alpes austríacos na iminência da II Guerra e se ouvem melodias intemporais como Do-Re-Mi ou Climb Ev"ry Mountain, que nos transportam para um dos maiores clássicos da história do teatro musical.
"Meninos, menos entusiasmo, aqui vocês ainda não sabem o que é que a Maria e o vosso pai têm para vos dizer. Para já, a cara tem de ser mais de quem estava a jogar PlayStation e foi interrompido." O encenador Pedro Ribeiro tenta ajustar a alegria nos rostos das crianças que interpretam os sete filhos do viúvo e rezingão Georg Von Trapp em Música no Coração, agora revisitado numa grande produção nacional, com Sofia Escobar e Jorge Corrula a vestirem a pele dos icónicos Maria Rainer e capitão Von Trapp. Ensaia-se a cena em que se preparam para ouvir o anúncio de que o pai e a adorada ama se vão casar, mas a felicidade é natural no rosto dos jovens intérpretes escolhidos através da Academia de Música de Vilar de Paraíso e que por estes dias contracenam com alguns dos nomes mais populares das artes cénicas nacionais.
Sofia Escobar (Maria Rainer) é uma ama que os vai cuidando também em palco e os jovens atores rapidamente assimilam o espírito pretendido a cada cena. "Estes miúdos são muito especiais. São artistas, são miúdos com muito talento, são muito engraçados, e é giro ver também a forma como eles dão a própria personalidade deles às personagens", confessa a atriz, que há mais de 10 anos fez o seu nome ecoar em Londres no papel de uma outra Maria, de West Side Story, e agora encarna o espírito de outra das mais famosas Marias da história dos musicais.
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Sofia Escobar no ensaio com Mário Redondo, ator de suporte para a personagem do Capitão Von Trapp.
© Artur Machado / Global Imagens
"É daqueles papéis com que eu tenho vindo a sonhar ao longo da minha carreira e agarrei esta oportunidade com unhas e dentes. Ainda por cima poder fazê-lo em Portugal é... mágico", partilha a atriz com o DN, antes de arrancar nova sessão de ensaios para a peça que sobe ao palco do Super Bock Arena, no Porto, já no próximo sábado (12), e estará depois no Altice Arena, em Lisboa, a 1 de dezembro.
Como clássico intemporal, Música no Coração ecoa na memória coletiva e de cada um. Também na de Sofia Escobar, naturalmente. "Foi dos primeiros musicais que eu vi, lembro-me de ver em família naquelas noites da época de Natal. Não só fez parte da minha infância como também do meu processo de crescimento enquanto atriz e enquanto aspirante a atriz de teatro musical", diz.
Ora, quando se pensa em Maria Rainer (depois Von Trapp), pensa-se inevitavelmente em Julie Andrews, a atriz que projetou mundialmente, no cinema, a personagem encarnada por Mary Martin no musical. "É uma pressão acrescida, porque a Julie Andrews e o Christopher Plummer (capitão Von Trapp) são referências nestes papéis e fizeram isto como ninguém", reconhece Sofia, que foi "rever o papel da Julie Andrews, sem dúvida uma enorme referência", mas promete um toque pessoal na adorada ama dos Von Trapp. "Não quero tentar ser uma cópia perfeita da Julie Andrews, isso não existe, o que o público pode esperar é a minha própria versão da Maria, que ela própria também tinha uma personalidade algo diferente do que aparece no filme."

Sofia Escobar no ensaio com Mário Redondo, ator de suporte para a personagem do Capitão Von Trapp.
© Artur Machado / Global Imagens
Essa será, certamente, uma interrogação que se levanta a quem tem de trabalhar uma obra tão reconhecida. Como oferecer algo que ainda possa surpreender o público? Para o produtor Armando Calado - que já produziu o grande sucesso de bilheteira que foi o Fantasma da Ópera, em 2019, também com Sofia Escobar e a encenação de Pedro Ribeiro - essa é uma garantia assegurada contratualmente. "Estas licenças obrigam sempre a fazer produções originais. Não podemos repetir nada do que tenha sido feito antes. Nem o cartaz que nós apresentamos pode ser semelhante a outro anterior. Está no contrato."
Para o encenador Pedro Ribeiro, "esta é uma versão de concerto encenado que vai ser surpreendente para quem conhece apenas o filme, no sentido em que nunca viram a história de uma forma tão clara e livre de artifícios, mas, ao mesmo tempo, vai haver obviamente pormenores que as pessoas reconhecem... Não podemos fugir das referências emocionais do público". A inesperada atualidade desta história - de uma família de deslocados a fugir de uma guerra que se anuncia - trouxe uma sensibilidade acrescida, admite o encenador.
"O cenário é um cenário de colinas que representa um espaço que pode ser qualquer espaço, tanto pode ser a Áustria como pode ser Portugal ou a Ucrânia. E estas personagens vivem num espaço que dá largas à imaginação e permite ao público ler melhor a história, porque não vai ter adereços e figurinos e coisinhas que nos fazem distrair do foco principal, que é realmente contar uma história onde a música traz o amor de volta a uma casa, mas também de uma história dramática de fuga, de refugiados, como é o caso desta família Von Trapp, que decidiu fugir da Áustria antes da II Guerra Mundial."

Encenador Pedro Ribeiro
© Artur Machado / Global Imagens
No fim, continuará a prevalecer uma eterna história de amor, cantada aqui pelas vozes de Sofia Escobar, Jorge Corrula, Virgílio Castelo ou Manuela Couto, figuras de um elenco onde brilham também os "pequenos" grandes talentos do Diogo, da Marta, da Leonor, da Clara, do Francisco, da Carolina, do António, que no Porto dão corpo aos sete filhos do capitão Von Trapp (em Lisboa serão substituídos por outros sete) e vivem "uma experiência de sonho" - confessa a Leonor, de 10 anos, que interpreta Brigitta, "a filha mais independente" do capitão.
Bilhetes entre 35 e 120 euros
Ainda com alguns disponíveis, e à venda nos locais habituais, os bilhetes para o espetáculo do próximo sábado, no Porto, têm vários escalões de preços que variam entre os 35 euros para o balcão 2 do Pavilhão Rosa Mota / Super Bock Arena e os 120 euros na plateia VIP Gold.
Em discurso direto
SOFIA ESCOBAR (Maria Rainer)
Lembro-me de ver o filme pela primeira vez em família naquelas noites da época de Natal. Tinha uns 5 ou 6 anos. E marca. É um musical que marca, que eu acho que toda a gente conhece ou já ouviu, e a maioria das pessoas tem algum tipo de memória associada a estas músicas.
Curiosamente, uma das músicas a que eu me associo mais, emocionalmente, é mesmo o Climb
Ev´ry Mountain, e não sou eu que a canto, é a Madre Superiora. Mas é uma música que me marcou ao longo da minha vida, porque, enfim, fala de superar obstáculos, de perseguir os nossos sonhos e isto é uma coisa que a nós artistas nos toca muito, de várias maneiras.
Aquilo por que eu sou mais conhecida, sem dúvida, é a parte do teatro musical, mas isso não quer dizer que eu não tenha outros gostos também e que não me apeteça explorar outros caminhos e sonoridades, que foi o que eu fiz com o meu álbum [editado este ano. Mas claro que o teatro musical nunca vai deixar de fazer parte da minha vida e nunca vou deixar de fazer musicais.
Tenho muitas Marias na minha vida. Ponto de contacto? Não tinha pensado nisso, mas acho que aqui o ponto de contacto seria mesmo o amor e a força que as move. No caso desta Maria o amor à música e à liberdade, a perseguir os sonhos dela. A outra Maria, do West Side Story, também, mas com um final um bocadinho mais trágico, na versão Romeu e Julieta do teatro musical.
PEDRO RIBEIRO (Encenador)
Ligação à atualidade? Nós temos trabalhado bastante sobre esse tema, porque foi uma novidade, penso eu para todos, ver de forma tão clara a situação política daqueles anos, que no filme é bastante "higienizada", porque os anos 60 ainda eram muito próximos do conflito. Muitas produções atuais estão a sublinhar bastante o poder político que esta peça tem.
A minha mãe, na década de 70, cantou o My Favourite Things com um grupo de crianças numa associação e a minha primeira visualização mental, para esta peça, foi a fotografia que tenho em casa da minha mãe, com as crianças à volta, a cantar aquilo.
O maior 'medo', e ao mesmo tempo uma alegria e motivação imensas, foi pensar como é que eu pego nisto por forma a ser na mesma relevante hoje, em 2022, e as pessoas se interessem na mesma em ver o musical.
Trabalhar com crianças é super fácil. Elas são incríveis. Têm uma energia, uma capacidade de memória, uma agilidade física, uma facilidade de... brincar, sim, porque embora em português digamos interpretar o teatro, em inglês é to play (brincar), e elas realmente brincam e divertem-se imenso a fazer isto e nós ficamos surpreendidos porque elas lembram-se de tudo. Tem sido um prazer muito grande.
ARMANDO CALADO (Produtor)
Quando regressei a Portugal achei que o teatro musical era um nicho por explorar. O Fantasma da Ópera [em 2019] provou que há público em Portugal para bons musicais.
O que vai ser apresentado é o musical original, que não é igual ao filme, tem mais coisas. E a condição contratual é fazer uma produção completamente nova, portanto as pessoas podem preparar-se para ver uma coisa nova.
Há um fator grande de novidade que as pessoas podem esperar aqui. E o que podem esperar também é o trabalho já provado deste encenador. O Pedro Ribeiro fez um Fantasma Da Ópera extraordinário, trabalha muito em casas de ópera internacionais e é um génio da encenação. Já para não falar do elenco fabuloso.
No seu todo estão envolvidas nesta produção cerca de 150 pessoas. Orçamento? É muito caro fazer uma produção destas, mas não vou falar de valores.
Já tenho licença assinada para no próximo ano produzir o We Will Rock You, dos Queen.
ANTÓNIO FERREIRA, 12 anos (Friedrich)
Já tinha visto o filme, os meus avós têm guardado em casa. E voltei a ver outra vez agora para me preparar.
O Friedrich é traquina, é dos filhos mais velhos [do capitão] e, do que eu sei, é o que tem uma memória mais presente da mãe que morreu.
Quando uma pessoa conhece o filme acaba por ser mais fácil decorar as músicas e as falas.
Já conhecia a Sofia Escobar, mas os outros [atores] não conhecia e acho que são fantásticos.
MARTA RIBEIRO, 14 anos (Louisa)
Ao princípio parecia um bocado irreal contracenar com estes atores. Quando aparece o produto final, parece uma realidade muito séria, mas os ensaios são muito tranquilos e divertidos.
Já tinha visto o Música no Coração. A minha mãe falava-me muito do filme, que é o filme favorito da minha avó.
Acho que a Louisa tem um bocado a ver comigo. É divertida e um bocado.... trapalhona (risos).
CLARA OLIVEIRA, 11 anos (Marta)
A Marta é assim mais tímida, é a segunda mais nova dos irmãos, recebe muitos mimos da ama.
É a primeira peça em que entro, mas gostava de ser atriz no futuro. De musicais.
LEONOR FERREIRA, 10 anos (Brigitta)
Eu ia interpretar a Marta, mas como era a mais alta das que fizeram o casting passei a ser a Brigitta.
É fácil conciliar com os estudos. Consigo estar em todos os ensaios e ainda tenho tempo para estudar e para divertir-me e fazer outras atividades.
A Brigitta é uma personagem mais extrovertida, que fala muito. Até demais. Acha que sabe tudo, é muito esperta e independente.
rui.frias@dn.pt
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