'Gloria!' retrata um orfanato para raparigas na Veneza de finais do século XVIII. Para elas, a música é uma actividade libertadora que, em qualquer caso, a realizadora estreante Margherita Vicario trata a partir do seu universo de cantora pop.A estreia na realização da italiana Margherita Vicario tem o título Gloria! — assim mesmo, com exclamação. Isto porque não se trata de identificar uma personagem, mas sim um cântico, ou melhor, um desejo de cantar e celebrar a música como eco terreno da transcendência divina. Tudo se passa em Veneza, no ano de 1800, no Instituto Sant’Ignazio, um orfanato para raparigas que encontram na música a alegria, e também um sentimento de comunhão, que o começo das suas existências não lhes proporcionou..Como recordam as legendas finais, há um fundamento histórico para a situação retratada, já que durante séculos os institutos religiosos de Veneza acolheram milhares de raparigas órfãs que aí descobriram a música como valor artístico e humano. Seja como for, não estamos perante um filme evocativo de uma época ou, como diz a convenção académica, de “reconstituição histórica”..Nascida em Roma, em 1988, Margherita Vicario tem uma carreira de actriz — vimo-la, por exemplo, num pequeno papel de Para Roma, com Amor (2012), de Woody Allen —, sendo especialmente popular em Itália como cantora. E não será preciso grande especulação formal para reconhecer que este não é (nem pretende ser) um filme descendente da música barroca do século XVIII, eventualmente da transição para o período clássico. As composições religiosas vão-se transfigurando como que através do jogo lúdico de um DJ contemporâneo e, na melhor das hipóteses, Gloria! poderá definir-se como uma brincadeira pop enredada no cliché politicamente correcto segundo o qual qualquer celebração de um grupo de personagens femininas está “condenado” a ser uma parábola global sobre “todas” as mulheres..Não vem daí grande mal ao mundo... Resta saber se Margherita Vicario tem alguma estratégia narrativa ou programa formal para sustentar uma longa-metragem com uma ideia divertida, sem dúvida contagiante, que talvez pudesse funcionar com outra eficácia no interior das fronteiras de um teledisco — até porque, como se pode verificar no YouTube, a realizadora possui uma trajectória bem interessante no domínio dos videoclips..Destaquemos, sobretudo, as boas performances de alguns elementos do elenco. Elementos femininos, entenda-se, com destaque para Carlotta Gamba e, sobretudo, a excelente Galatéa Bellugi, na personagem muda cujo talento musical a vai conduzir ao papel de líder da “revolução” musical que irá desembocar na visita do Papa Pio VII ao instituto. Entretanto, o talentoso Paolo Rossi, no papel do capelão e maestro, está condenado ao estereótipo da personagem masculina repressora que justifica a revolta das suas pupilas — com certeira ironia, houve quem lhe chamasse uma cópia menor do Salieri de Amadeus (1984), tal como filmado por Milos Forman.