A 13 de dezembro de 1943, o químico italiano Primo Levi foi capturado pela milícia fascista no norte de Itália. “Tinha 24 anos, pouco bom senso, nenhuma experiência e uma acentuada inclinação, favorecida pelo regime de segregação ao qual desde há quatro anos fora obrigado pelas leis raciais, para viver num mundo só meu”, relataria Levi, judeu, nas primeiras linhas do livro que lhe ocupou a escrita entre o final de 1945 e o início de 1947. Num imenso exercício de memória e reconstituição, Levi, nascido em Turim no ano de 1919 (cidade onde morreu em 1987), entregou às páginas da obra Se Isto é um Homem, os 11 meses de uma experiência extrema, aquela que viveu no campo de concentração de Auschwitz. Primo Levi escreveu sobre o processo de desumanização, também sobre um caminho de extinção. Dos mil judeus italianos enviados para Auschwitz pelo Terceiro Reich alemão, apenas 20 sobreviveram.A 27 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho entrou no campo de concentração. “Vimos algumas pessoas de pé a envergar roupas às listas - não pareciam humanos. Eram pele e osso, não mais do que esqueletos. Sequer reagiram quando lhes dissemos que o Exército Soviético os havia libertado”, relataria mais tarde Anatoly Shapiro, engenheiro ucraniano e oficial do Exército Vermelho, líder do pelotão que libertou o campo de concentração de Auschwitz. Um dia que Primo Levi recordaria no seu livro de testemunho: “27 de janeiro. Madrugada (…) começámos a trabalhar como todos os dias. Os russos chegaram enquanto Charles e eu levávamos Sómogyi [morrera na noite anterior] para um lugar pouco afastado. Estava muito leve. Virámos a maca na neve cinzenta”. A última seleção de prisioneiros para as câmaras ocorrera a 30 de outubro de 1944. As câmaras de gás haviam sido destruídas poucos dias antes da libertação.Nos cinco anos em que operou, de 1940 a 1945, estima-se que Auschwitz, símbolo maior do Holocausto, tenha reclamado a vida a 1,3 milhões de seres humanos, embora algumas estimativas apontem um número próximo dos três milhões de vítimas.Oitenta anos volvidos sobre a data de libertação do campo de concentração de Auschwitz, o Museu da Farmácia, em Lisboa (Rua Marechal Saldanha, n.º 1), recorda o momento. Fá-lo com uma exposição temporária em torno de objetos evocativos dos campos de concentração. Uma mostra patente entre 31 de janeiro e 28 de fevereiro de 2025 que, nas palavras do diretor do Museu da Farmácia, João Neto, nos recorda que “a barbárie no seio das muralhas de Auschwitz fez-se por pessoas como nós. Temos o dever de não esquecer esta tragédia e de sublinhar que esta pode acontecer nos nossos dias. Não estamos isentos de cometermos os mesmos erros. É nossa obrigação aproximar os cidadãos da história, mesmo quando ela nos oferece tal crueldade”..A exposição temática, aberta ao público em geral e passível de visita guiada, acompanhada pelo diretor do museu (com inscrição prévia), faz-se com artefactos que nos levam à década de 1940. “Entre os objetos em mostra, contamos com um rótulo de uma lata do famigerado Zyklon B, a marca registada de um pesticida usado para gasear os prisioneiros nos campos de concentração. Foi desenvolvido em 1924 como inseticida e foi fornecido pela empresa química alemã Degesch ao exército alemão e às SS. Também temos em exposição um pedaço de tecido de um uniforme de um prisioneiro de Auschwitz no ano de 1943. A Estrela de David com um triângulo amarelo identificava o prisioneiro judeu com o número 2255 e o triângulo vermelho diz-nos que era um dissidente político”. João Neto também destaca a mostra de “meio bilhete de comboio datado de 1943. Um bilhete de criança para a viagem Amesterdão-Auschwitz. Quem entrava nos comboios desconhecia o seu destino final. Os objetos que referi foram-nos doados por um descendente de um sobrevivente do Holocausto”.Ainda nesta exposição temática, e de acordo com o diretor do Museu da Farmácia, “contamos com um conjunto de documentos do julgamento de Crimes de Guerra Nazi, nomeadamente de Karl Brandt que liderou o Programa Nazi da Eutanásia e esteve envolvido em experiências com seres humanos. Os documentos contêm a assinatura de todos, escrita à mão e a lápis, inserido na parte inferior dos formulários. Também teremos em mostra o conteúdo de uma mala de um farmacêutico da década de 1940”..À exposição patente no Museu da Farmácia junta-se uma tertúlia a decorrer na quinta 30 de janeiro (18h00) na página de Facebook da instituição. Momento para uma conversa com Esther Mucznik, escritora e investigadora da temática judaica, e Helena Ferro de Gouveia, analista de assuntos internacionais. “Será uma conversa que não se deterá apenas no passado, mas também se centrada nos caminhos que devemos seguir para que uma insanidade como foi o Holocausto não volte a ocorrer”, enfatiza João Neto. Um regresso à década de 1940 que também se faz à boleia da Sétima Arte. A 31 de janeiro (21h00), as instalações do museu serão palco para a exibição do filme de 1993, A Lista de Schindler, obra assinada pelo realizador Steven Spielberg. “Nesse mesmo dia contaremos com uma visita a peças específicas da nossa coleção, relacionadas com a temática do filme”, conclui João Neto. A visualização do filme é gratuita, mas a inscrição na atividade é obrigatória. A participação na visita tem um valor associado. .Crónica de Israel: Casa dos meninos ruivos continua vazia.Crónica de Israel: Halina, sobrevivente de Auschwitz