Móveis, malas, sapatos ou bordados: os artesãos que mantêm a tradição viva
O gosto pela pintura começou quando era pequena. No escritório onde Etelvina Santos trabalhava nos anos 80 muitos dos seus colegas tinham este passatempo. E um dia um amigo que fazia brinquedos e móveis em miniatura desafiou-a a pintá-los. "Quando comecei a pintar para ele era apenas um aconchego ao rendimento familiar. Acabei por me interessar e abrir uma oficina, fazia os brinquedos com esse amigo", explicou Etelvina ao DN enquanto dava um workshop de pintura de móveis alentejanos.
Começou por brinquedos e miniaturas, mas foi na Feira Internacional de Artesanato (FIA) que conheceu um verdadeiro pintor de móveis, que a convidou a conhecer melhor o seu trabalho. Já tinha conhecimento da pintura alentejana e dos móveis pintados. "Principalmente nos centros de saúde onde íamos levar as vacinas e no dentista onde a mobília era toda pintada com estas florzinhas."
Hoje em dia é uma das poucas artesãs em Portugal que continua com este ofício. "Este tipo de artesanato está praticamente em vias de extinção. É bom darmos a conhecer e haver workshops para as pessoas experimentarem e verem o trabalho que isto dá."
Para Etelvina, o passo mais complicado é fazer as flores. Um artesão para ficar a pintar razoavelmente precisa de um ano de prática.
Etelvina pinta desde camas a cómodas. Os preços dos móveis variam consoante o tamanho, custando uma cama por volta dos 600 euros, uma cómoda entre 400 e 500 euros.
Com mais de 30 anos de profissão, Etelvina já deu vários workshops e um ano de formação para novos artesãos. "Acho que é preciso os designers, os arquitetos de interiores, pegarem nestas raízes e nestas tradições. Sem isso não vai haver futuro para algumas das artes tradicionais portuguesas."
Ali ao lado, no mercado da bienal de artes e ofícios, Isabel Martins relembra como aos 55 anos desistiu da profissão nos serviços administrativos de um Instituto de Ensino Superior para se dedicar à criação de peças de bracejo, planta que cresce espontaneamente na serra da Malcata. Apaixonou-se à primeira vista quando fez um workshop desse material precisamente na aldeia da Malcata. "Nem conhecia sequer esta matéria-prima e a partir daí comecei a ganhar gosto, comecei a ver e a fazer as minhas próprias peças", afirmou em conversa com DN.
Em maio, junho e julho é quando Isabel Martins apanha bracejo, depois deixa-o secar e antes de voltar a ele para começar a peça. "O meu processo desde a apanha à venda passa todo por mim."
As peças que a artesã cria são variadas, desde bases a tapetes. Para Isabel a maior dificuldade de trabalhar com este material é apenas conseguir criar peças redondas ou ovais, devido à matéria-prima. "Perguntam-me sempre que tipo de material é porque não é muito conhecido. É apenas típico da aldeia."
Isabel já passou pela FIA e por feiras em França e em Madrid. Num dos seus trabalhos mais recentes fez tapetes de 1,70cm para um hotel francês que foi inaugurado em setembro.
No mesmo mercado, vinda diretamente de Castelo Branco para Lisboa, Madalena Novo, 70 anos, traz os bordados típicos da sua terra com uma adição especial: os presépios. Começou por bordar em criança, quando tinha 12 anos. Depois de terminar a sua atividade profissional em 1999, dedicou-se novamente aos típicos e conhecidos bordado de Castelo Branco.
"Eu gostava de bordar, então agarrei-me com unhas e dentes. Já há 22 anos que faço este tipo de trabalho. Depois acrescentei os presépios que é uma coisa que agrada imenso as pessoas", afirmou.
A seda é considerada a parte mais complicada do trabalho de Madalena Novo. "Este trabalho requer bons olhos, que eu já não tenho, e disponibilidade de tempo, que isso eu felizmente tenho."
A artesã começou por fazer presépios de tamanho grande e embrulhá-los nos bordados de Castelo Branco. "As pessoas adoram porque bordados há quem faça, embora muito pouco. Comecei por fazer os maiores e depois foram pedindo de diferentes tamanhos."
A pandemia veio afetar a área do artesanato e as feiras do mesmo. Madalena Novo este ano participou em menos eventos do que nos anos anteriores.
Também na Bienal de Artes e Ofícios, Ana Mateus, de 51 anos, vendia a sua marca de malas Antonio. Um negócio de família que herdou do pai, que tinha uma pequena empresa e fábrica. Isto levou Ana e a irmã para a área do design e a criar esta marca ligada à sustentabilidade. "Lançámos a Antonio porque queríamos homenagear toda a vida do nosso pai. Usamos a pele de curtimenta vegetal que vem do desperdício animal."
As malas e carteiras exibem um design intemporal e inspirado nos modelos do pai. A ideia é que durem uma vida e que passem de mãe para filha. Sendo a durabilidade um dos pilares da marca, Ana Mateus pretende apelar à consciência na compra.
Por ser uma empresa familiar, cada peça tem o nome de um membro da família. Por exemplo, um dos modelos de carteiras chama-se Rafael, o nome do sobrinho de Ana.
Algumas das peças são pintadas à mão com técnica de solas. A pele natural vai envelhecendo ao longo dos anos e ganha uma patine, passando de tom nude para um tom de caramelo. "Temos na fábrica nove pessoas, o que foi relativamente simples porque já havia um passado. Os desafios passaram por apurar os detalhes em termos da manualidade, sendo tudo pintado e lixado várias vezes", afirmou.
O calçado regional ribatejano é um setor das artes e ofícios que tem vindo a desaparecer. Jorge Gonçalves, de 73 anos, tenta manter o negócio vivo com sapatos que fabrica em casa com os familiares.
Trabalha na área há mais de 40 anos e descobriu o gosto pela produção de sapatos quando começou a trabalhar numa loja de calçado. Pediu aulas ao tio, que era mestre nesta área. "Ninguém queria fazer reparações, então comecei. Não faço só calçado. Aqui fazemos tudo o que for preciso."
Cada vez há menos pessoas com interesse neste tipo de calçado e Jorge Gonçalves quer continuar com a tradição, embora não negue que o ofício terá tendência para desaparecer. "A gente espera que isto mude e as pessoas têm de ajudar. A juventude também não liga nada a isto, os mais antigos ainda gostam de ter este tipo de peças", explicou.
Para o artesão, o preço dos produtos pode ter influência no futuro deste artesanato. "Eu faço todo o tipo de eventos para que possa comunicar ao povo como é que isto é feito."
mariana.goncalves@dn.pt