Moura Jr alcança a glória em Montemor  

Miguel Ortega Cláudio faz a crónica da corrida que encheu a praça de Montemor no fim de semana. E o público não ficou desiludido, com momentos de brilho a pontuarem a tarde, do princípio ao fim.

A glória, supostamente, está lá em cima, além das nuvens, num lugar não específico do celeste. A glória deve ser algo como uma grande bolha, dentro da qual transbordam a felicidade e prazer, fama e louvor, bem-estar supremo. A glória, em suma, pode ser imaginada como a acumulação de infinitos prazeres que os habitantes deste Planeta telúrico auferem quando cumprem obrigações e devoções.

Em Montemor foram alcançados vários momentos de glória por João Moura Jr., pelo grupo de Montemor, pela ganadaria São Torcato, que lidou um par de toiros de suma bravura, e para a empresa com uma casa completamente esgotada pelo público.

Nisto das corridas há uma coisa muito clara: podem vir " vendavais, tempestades, dias de sol ou avisos vermelhos", mas quando um toiro bravo e um toureiro coincidem na arena nada mais é importante! É produzida aquela "faísca" milagrosa que acende a arte do toureio. Ontem Montemor foi testemunha disso.

Os toiros enviados a Montemor pelo ganadero Joaquim Alves tinham todos um denominador comum: a raça, casta e bravura! Quantas vezes as invocamos, ansiamos por elas, exigimos e ignoramos e até as esquecemos. Todos os toiros tiveram interesse, uns mais templados, outros mais difíceis e uns quantos bravos.

Pois bem, a raça do toiro bravo apareceu na sua mais ampla dimensão e na sua expressão mais transparente, dentro de uma variedade inevitável. O primeiro foi um bonito castanho, toiro bravo, sério talvez o que tenha tido menos mobilidade; Bravo, alegre, a arrancar de praça a praça foi o negro que fez segundo; O terceiro foi um toiro com cara, colorado de capa, quanto ao comportamento teve mobilidade, mas não foi tão claro como os irmãos anteriores, acabando por não romper a bom; O quarto era uma estampa de toiro, negro, altivo com cara desenvolvida. Foi complicado, reservado e não rompeu; O quinto era guapo, bravo e quanto a mim o de maiores qualidades dos seis. Foi nobre, teve mobilidade, veio a mais e recarregava com codicia depois do ferro. O sexto era um taco, baixo, acapachado de cornamenta. Foi um toiro muito encastado, nada fácil de se lhe estar diante exigindo sempre muito a quem teve que lidar com ele.

Em praça três figuras do toureio a cavalo Luís Rouxinol, João Moura Jr. e Francisco Palha e em solitário o Grupo de Forcados Amadores de Montemor, foram os protagonistas de vários momentos de uma beleza e emoção autênticas, tão autênticas, que as lembraremos por muitos e bons anos.

Por exemplo um Rouxinol, dominador, poderoso, capaz de se adaptar às características de qualquer toiro, dando-lhe a lide adequada e agarrando o triunfo. Um Moura Jr. arrebatador que nos fez tornar cúmplices em duas lides de uma comunhão coletiva: o êxtase vivido que a beleza traz... quando a beleza não admite discussão. Francisco Palha com uma personalidade arrebatadora, a por todas querendo agarrar o triunfo e levando emoção às bancadas. Em solitário o grupo de Montemor numa tarde novamente histórica nesta data, despedidas de grandes forcados, uma pega de caras espetacular de Vasco Ponce e uma cernelha memorável protagonizada por António Pena Monteiro e Francisco Godinho.

Abriu a tarde no que respeita ao toureio a cavalo Luís Rouxinol com três compridos, de boa nota o último, partido para uma série de curtos, onde lidou com exímia inteligência um toiro que pedia ofício. Cravou seis ferros, de boa nota, o quarto em sorte de violino e sexto em sorte de palmo. Nos remates exibiu a sua raça e valor, levando o toiro ligado à montada, o público entrou em cheio na corrida e aplaudiu o Luís de forma calorosa. Com o quarto novamente teve que puxar da sua sabedoria toureia para dar a volta ao São Torcato, toiro que não facilitou em nada a lide do cavaleiro de Pegões. Luís teve que sovar o toiro com os compridos, abrindo-lhe caminhos e desenganando o mesmo nos primeiros curtos, com toiro a vir sempre por alto no momento da sorte. A partir do terceiro curto viu-se um cavaleiro mais a gosto, cravando bons ferros, sendo senhor de uma boa brega e rematando bem as sortes. Cravou um sublime par de bandarilhas e rematou esta grande lide com um bom ferro de palmo.

João Moura Jr. foi autor de uma autêntica sinfonia de toureio a cavalo no primeiro do seu lote... Começou a lide com uma grande porta gaiola, levando depois o bravo toiro embebido no cavalo para um superior remate. Novamente foi bom o segundo comprido de praça a praça, cravando no alto do morrilho. Nos curtos pôs a naturalidade ao serviço da elegância, o temple, a harmonia, o ritmo adaptado à escala mais refinada, com o deleite que o artista acrescenta à sua obra quando esta atinge a plenitude. O terceiro curto ficará na memória de quem o viu para todo o sempre, de praça a praça deixou vir o toiro cravando com uma métrica justa e um embroque apertado, tão deslumbrantemente executado que o público de repente parecia enlouquecer. Repetiu a dose no quarto curto e Montemor despediu o de Monforte de pé.

No quinto novamente recebeu o toiro numa grande porta gaiola e a partir daí... viu-se um Moura relaxado, ensimesmado, satisfeito consigo mesmo. Que grande série de curtos! De largo citou, encurtou distâncias, entrou em terrenos de compromisso e cravou grandes ferros. Público de pé a aplaudir o que acabara de ver. O cavaleiro no fim das suas lides deu volta acompanhado do ganadero Sr. Joaquim Alves que justamente foi chamado à arena.

Francisco Palha teve uma atuação sólida, de enorme mérito no seu primeiro. Não foi fácil o colorado mas teve que se render ao poder do toureio do Francisco. Enorme sorte gaiola a abrir a sua lide, seguida de outro grande comprido. Nos curtos teve que solventar a dificuldade de um toiro que se emparelhou com o cavalo e nunca andou fixo durante a sua lide. Sensacional foi o segundo curto, dentro de uma lide laboriosa, tentando sempre escolher os melhores terrenos para deixar o toiro colocado para a sorte.

No sexto um toiro muito exigente, porque cada arrancada sua era um pequeno mistério, viu-se um Palha arrebatado com aquela expressão estética e cavalheiresca que leva no seu caráter e personalidade na arte que pratica. Não foi uma lide redonda, não podia ser, mas à força de aguentar e levar o toiro até ao fim, conseguiu várias passagens de grande mérito que suscitaram aplausos unânimes. Novamente uma superior sorte de gaiola, um segundo comprido dos bons, um par de curtos empolgantes, entrado em terrenos de muito compromisso, levando depois o toiro no cavalo aguentando até ao limite vários derrotes deste.

Forcados de luxo

Falar de Montemor é falar da glória dos seus forcados. Que grande tarde de pegas!

Disseram adeus às arenas três grandes que envergaram aquela jaqueta, João da Câmara, João Megre Pires e Nuno Campelo. O público aplaudiu e de que maneira em modo de agradecimento a estes três grandes que dedicaram parte das suas vidas à nobre arte de pegar toiros bravos.

Abriu a tarde Francisco Bissaya Barreto numa boa pega à primeira tentativa, deixando vir o toiro de largo, aguentando a investida, entrando o grupo no tempo correto, destacando a 1ª ajuda de Nuno Campelo.

Vasco Carolino foi o escolhido para pegar o segundo da ordem, outra boa pega à primeira tentativa, poderio e competência que lhe são habituais, novamente bem o grupo a ajudar e com destaque para o grande João José comenda a rabejar.

João da Câmara fez a sua despedida no terceiro da tarde, grande pega deste grande forcado que envergou a jaqueta das ramagens durante 13 temporadas elevando o estandarte do grupo bem alto. Também aqui fez a sua despedida João Megre grande ajuda, que deu superior ajuda.

Para o quarto saltou o cabo António Pena Monteiro e Francisco Godinho para concretizarem uma espetacular cernelha. Brindaram a João Cortes, avô do atual cabo e também ele cabo deste grupo. Na primeira tentativa sova de criar bicho no António mas este forcado é feito de outra matéria-prima, não voltou a cara e à segunda entrada dominaram o São Torcato de maneira exímia.

Vasco Ponce, fez um pegão à primeira tentativa, o toiro fugiu ao grupo, o Vasco nunca lhe saiu da cara, aguentado os derrotes, entrou o grupo e foi consumada a sorte com o público de pé a aplaudir o feito.

Fechou a tarde já noite Francisco Borges à terceira tentativa, o toiro na primeira tentativa foi para comer, arrancou forte e derrotou violento cá atrás, na segunda tentativa foi a medir e a passo tirando o forcado logo que este o quis pegar. Na terceira tentativa mais em curto e com ajudas mais carregadas foi consumada a pega.

Síntese da corrida:

Praça de Toiros de Montemor-o-Novo: Lotação esgotada

Ganadaria: Seis toiros da ganadaria São Torcato, bonitos de tipo, encastados e com raça na sua maioria. Bravos primeiro, segundo e quinto. O ganadero deu volta à arena no fim das lides de segundo e quinto toiros.

Cavaleiros: Luís Rouxinol - Volta e Volta com chamada aos médios. João Moura Jr.: Volta com chamada aos médios e Volta. Francisco Palha: Volta e Volta

Forcados: Amadores de Montemor em Solitário. Foram caras Francisco Bissaya Barreto, Vasco Carolino, João da Câmara à primeira tentativa; António Pena Monteiro e Francisco Godinho em sorte de cernelha à segunda tentativa; Vasco Ponce à primeira tentativa; Francisco Borges à terceira tentativa.

Despediram-se os forcados João da Câmara, João Megre Pires e Nuno Campelo.

Dirigiu a corrida Agostinho Borges e foi médico veterinário Feliciano Reis.

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