Nelson de Matos morreu este domingo, dia 8 de junho, num hospital em Lisboa, aos 79 anos. Foi proprietário e editor da Dom Quixote durante mais de 26 anos, tendo saído em 2004, depois de o grupo editorial espanhol Planeta ter comprado a totalidade do capital da editora fundada por Snu Abecassis. Após a sua saída da Dom Quixote, entre 2005 e 2007, passou pela Ambar, e em 2007 criaria a Edições Nelson de Matos.Manuel Alberto Valente, até 2020 diretor editorial da Porto Editora, trabalhou com Nelson de Matos desde a altura em que ele ficou com a Dom Quixote, e diz que lhe deve a carreira. "Depois da morte da Snu Abecassis, em 1981, ele ficou com as publicações Dom Quixote e convidou-me para diretor editorial. E, de certa maneira, foi ele o responsável pelo facto de eu ter seguido essa vida que durou até há dois ou três anos", relembra ao DN o também amigo de muitos anos do editor.Manuel Alberto Valente sublinha a “importância enorme” de Nelson de Matos para o mundo editorial português, mas considera que é hoje, “de certa maneira, um nome injustamente esquecido”.Alberto Valente recorda que “uma das condições que foi posta pela família da Snu quando ele ficou com a Dom Quixote, foi que ele não desvirtuasse o caminho que ela tinha trilhado. E ele não só não o desvirtuou, como o enriqueceu profundamente. A Dom Quixote, em poucos anos, nesses anos 1980, tornou-se a editora dos grandes nomes da literatura portuguesa de hoje. Foi editor da Lídia Jorge, do João de Melo, do António Lobo Antunes, do José Cardoso Pires. Enfim, a lista seria infindável dos autores portugueses com que ele rapidamente enriqueceu o catálogo da Dom Quixote”, sublinha ao DN. O que acabaria por “dar azo a que depois nós, em conjunto com ele, abríssemos o catálogo da Dom Quixote aos grandes nomes da literatura universal, que ainda hoje estão no catálogo da Dom Quixote, como o Milan Kundera, o Salman Rushdie, etc.”, acrescenta.Nelson de Matos foi responsável pela publicação em Portugal de outros vultos da literatura universal, como Gabriel Garcia Márquez, Mario Vargas Lhosa, Philip Roth ou John le Carré. Cecília Andrade, editora da Dom Quixote que trabalhou de perto com ele, recorda, por exemplo, que “o John le Carré, foi na Dom Quixote que passou a ser considerado um escritor literário, porque antes era um escritor de policiais, de thrillers políticos. Nelson de Matos foi, de facto, um visionário, uma pessoa que antes do seu tempo percebeu a importância dos escritores e de fazer um catálogo”.Considera que Nelson de Matos “foi um grande editor, que soube ver coisas que na altura os outros editores não viam, soube apostar nos autores portugueses, soube perceber a importância da comunicação. Eu quando entrei, em 1986, fui fazer comunicação, não havia ninguém nas editoras portuguesas dedicado exclusivamente à tarefa de lidar com a comunicação social”, sublinha.Em 1999 acabaria por vender a editora ao grupo editorial espanhol Planeta, "percebendo que tinha pouca capacidade de resistir ao mercado e à concorrência cada vez mais feroz e às dificuldades de uma editora que também cresceu muito", contextualiza Cecília Andrade.Manuel Alberto Valente não tem dúvidas de que “ele teve um papel importantíssimo na edição portuguesa. Infelizmente, abandonou muito cedo a sua atividade”. O antigo diretor editorial da Porto Editora conta que “mais tarde ele veio a criar a editora com o seu próprio nome, mas foi sempre uma editora muito pequena, foi uma forma de ele continuar o seu prazer de editor.” .O primeiro livro editado pela pequena editora que Nelson de Matos criou em 2007 foi Lavagante, um inédito de José Cardoso Pires, autor que morreu em outubro de 1998. “Simbolicamente quis iniciar a editora com um inédito de um grande autor e homenageá-lo nos dez anos da sua morte”, disse na altura, à agência Lusa, Nelson de Matos.A APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, de cuja direção Nelson de Matos chegou a pertencer, manifestou o seu "profundo pesar" pelo falecimento do editor, destacando a sua "rara sensibilidade e visão", e a "marca indelével no panorama literário português, tendo contribuído decisivamente para a divulgação de autores como José Cardoso Pires, António Lobo Antunes, Manuel Alegre, Lídia Jorge ou Mário Cláudio, que tanto enriquecem o nosso património cultural".A Dom Quixote, nas redes sociais, também reconheceu o trabalho de Nelson de Matos: "Foi responsável pela edição e publicação, nesta casa, de alguns dos principais escritores de língua portuguesa e a quem devemos, todos sem exceção, a criação daquela que, ainda hoje, é conhecida como a grande casa dos autores portugueses".