Chico Buarque dedica prémio a tantos autores "humilhados e ofendidos"

Na cerimónia, o autor brasileiro lembrou os anos de "estupidez e obscurantismo" por que passou o Brasil e lembrou que "a ameaça fascista persiste". Marcelo pediu desculpa "pela demora" na entrega. Lula garantiu que foi "corrigido um absurdo".

O autor brasileiro Chico Buarque dedicou esta segunda-feira o Prémio Camões 2019 a "tantos autores humilhados e ofendidos" nos "anos de estupidez e obscurantismo", lembrando que "a ameaça fascista persiste no Brasil e um pouco por toda a parte".

Chico Buarque recebeu, no Palácio Nacional de Queluz (Sintra), o diploma do Prémio Camões 2019, na presença dos chefes de Estado de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, de vários membros do governo e da diplomacia dos dois países, de dezenas de convidados, numa sessão acompanhada por uma extensa cobertura mediática de jornalistas portugueses e brasileiros.

No discurso de agradecimento, emocionado, Chico Buarque lembrou o pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, de quem disse ter herdado "alguns livros e o amor pela língua portuguesa", e que contribuiu para a sua formação política, de esquerda.

Recuando ainda mais na árvore genealógica, o músico e escritor disse que tem nas veias "sangue do açoitado e do açoitador" e antepassados judeus sefarditas, pelos quais disse que "um dia talvez alcance o direito à cidadania portuguesa".

"Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência", disse, mas reconheceu que "tem uma porta entreaberta" em Portugal.

Sobre o Prémio Camões, que lhe foi atribuído em 2019, mas só recebeu quatro anos depois, passada a administração do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro e uma pandemia, Chico Buarque dedicou o galardão "a tantos autores humilhados e ofendidos, nestes anos de estupidez e obscurantismo".

Sobre a presidência de Jair Bolsonaro, Chico Buarque falou em "quatro anos de governo funesto que duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás". E lembrou que "a ameaça fascista persiste no Brasil e um pouco por toda a parte".

Na cerimónia, o presidente do júri do Prémio Camões, o académico Manuel Frias Martins, afirmou que o universo criativo de Chico Buarque "tem sempre uma espécie de reserva de energia para recordar mágoas e equívocos das relações humanas e contrariar a violência, a injustiça e o medo".

"Que a nossa decisão [do Prémio Camões] sirva para reforçar a união de todas as nações que se entendem em língua portuguesa", disse, agradecendo ao autor de "Estorvo", "Essa gente" e "Benjamim", "toda a arte e beleza que trouxe ao longo de seis décadas" de carreira.

"Meu caro amigo, me perdoe, por favor, essa demora", diz Marcelo a Chico Buarque

Marcelo Rebelo de Sousa lamentou a espera de quatro anos para a entrega do Prémio Camões a Chico Buarque, referindo que alguns "não gostaram" da sua atribuição.

"Meu caro amigo, me perdoe, por favor, essa demora", disse Marcelo Rebelo de Sousa, dirigindo-se ao compositor, cantor e escritor brasileiro, citando versos de uma canção sua.

"Saudando a decisão do júri do Prémio Camões e as razões da sua decisão, suspeito que por uma vez ninguém precisaria da fundamentação dessa decisão, de tal forma ela se impõe como evidência, acima de tudo poética, mas também romanesca", considerou o Presidente da República.

A entrega do Prémio Camões de 2019 a Chico Buarque acontece a simbolicamente na véspera da Revolução dos Cravos em Portugal e quatro anos depois de a sua atribuição ter sido anunciada, em 21 de maio de 2019.

O então Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, mostrou-se reticente em assinar o diploma do prémio, o que levou Chico Buarque a afirmar: "A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões".

"Dir-se-á que quatro anos é uma longa espera para concretizar, não importa chorar o leite derramado, o prémio respeita a 2019, é entregue pessoalmente em 2023, mas ninguém cuidará de saber a que ano diz respeito. Diz respeito a todos os anos", sustentou Marcelo Rebelo de Sousa.

Segundo o Presidente português, a espera para entregar este prémio a Chico Buarque foi "como os admiradores esperam por aqueles que admiram, como os amigos esperam uns pelos outros".

Lula da Silva honrado por entregar prémio e corrigir "absurdo"

Lula da Silva destacou que corrigiu um dos "maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira" ao entregar, finalmente, o Prémio Camões a Chico Buarque de Holanda.

Por isso, o presidente do Brasil afirmou que o convite para participar na cerimónia de entrega do prémio, em Queluz, foi "uma oportunidade de corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos anos", além de "um motivo de grande honra".

"Finalmente a democracia venceu no Brasil e é por isso que estamos aqui hoje", declarou o Presidente brasileiro, entre criticas à "extrema-direita", de Bolsonaro, que disse ter voltado a imprimir "obscurantismo e censura das artes" no país.

"Este prémio é a resposta do talento conta a censura", sublinhou Lula da Silva, no seu discurso na cerimónia de entrega do prémio, a que presidiu, juntamente com o Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado brasileiro terminou o discurso num tom mais intimista, dirigindo-se ao "querido Chico" para lhe dar os parabéns e afirmar: "Ninguém merece este prémio mais do que você", que fez da sua obra "uma declaração de amor à literatura portuguesa".

Lula da Silva contou ainda, dirigindo-se a Chico Buarque, que quando era criança disse á mãe que queria cantar, escrever peças de teatro, "fazer tudo o que você faz" e ser nisso "o mais importante".

A mãe respondeu-lhe que não podia ser, porque já tinha nascido um menino, chamado Chico Buarque, que ia ser "o mais importante" e que ele, Lula da Silva, se preparasse porque ia ser Presidente.

Costa fala em "emoção e alegria"

O primeiro-ministro português afirmou que foi com emoção e alegra que viu o escritor, compositor e cantor brasileiro Chico Buarque receber "finalmente" o Prémio Camões de 2019.

Esta mensagem de António Costa foi publicada na sua conta na rede social Twitter, depois de ter estado na cerimónia de entrega do Prémio Camões a Chico Buarque, na presença dos presidentes da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e do Brasil, Lula da Silva.

"Foi um momento de muita emoção e alegria ver Chico Buarque receber finalmente o Prémio Camões que já era seu. Muitos parabéns", escreveu o líder do executivo.

A entrega do Prémio Camões de 2019 a Chico Buarque aconteceu simbolicamente na véspera da Revolução dos Cravos em Portugal e quatro anos depois de a sua atribuição ter sido anunciada, em 21 de maio de 2019.

O então Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, mostrou-se reticente em assinar o diploma do prémio, o que levou Chico Buarque a afirmar: "A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões".

O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor "cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum".

Francisco Buarque de Hollanda, nascido em 19 de junho de 1944 no Rio de Janeiro, compôs centenas de canções, cerca de 500, e gravou perto de 40 álbuns, em 58 anos de carreira. A sua primeira composição gravada foi "Marcha para um dia de sol", em 1964, e a mais recente "Que tal um samba", em 2022.

Musicou e escreveu também peças de teatro, sozinho ou em coautoria, como "Roda viva" e "Gota d'Água".

O seu primeiro romance, "Estorvo", foi publicado em 1991, a que se seguiram "Benjamim", "Budapeste", "Leite Derramado", "O irmão alemão" e "Essa gente". O seu livro mais recente é "Anos de chumbo e outros contos", publicado em 2021.

Antes desta cerimónia, ao fim da manhã, o Presidente do Brasil e o líder do executivo português visitaram em Alverca as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA).

Sobre esta visita às OGMA, António Costa referiu que viajou do Porto, até Alverca, com o Presidente Lula da Silva, no primeiro KC-390 entregue pela Embraer à Força Aérea Portuguesa.

"Esta aeronave é um exemplo do muito que podemos fazer em conjunto, um projeto extraordinário de parceria nas áreas de engenharia e inovação", referiu o primeiro-ministro português no Twitter.

António Costa procurou depois garantir que este trabalho "prosseguirá no desenvolvimento em Portugal do Embraer A-29N Super Tucano".

"É uma nova porta que se abre à cooperação científica e tecnológica, que envolve várias empresas e contribui para a promoção do ramo aeronáutico", acrescentou.

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