O compositor italiano Ennio Morricone (1928-2020) é um daqueles nomes da história do cinema que há muito se fixou no imaginário popular. Mesmo muitos dos espectadores que possam não conhecer o seu nome, identificarão com facilidade os acordes das suas bandas sonoras mais célebres, a começar pelas que compôs para a trilogia de westerns spaghetti de Sergio Leone protagonizada por Clint Eastwood: Por um Punhado de Dólares (1964), Por Mais Alguns Dólares (1965) e O Bom, o Mau e o Vilão (1965)..Ennio, o Maestro, documentário de Giuseppe Tornatore que em abril do ano passado abriu a Festa do Cinema Italiano, chega agora às salas e o mínimo que se pode dizer é que possui as qualidades básicas de uma digressão biográfica que, necessariamente de modo condensado, percorre uma longa e multifacetada trajetória artística durante a qual Morricone compôs música para mais de 500 filmes - dos tempos heróicos de comédias menores como Desejo Louco (1962), ou Aquela Endiabrada Freirinha (1963), ambas dirigidas por Luciano Salce, até à consagração em Hollywood, completada com o Óscar de melhor banda sonora, ganho pelo seu trabalho em Os Oito Odiados (2015), de Quentin Tarantino..Por Ennio, o Maestro passam muitos depoimentos daqueles com quem trabalhou ou que, compositores ou não, admiram as singularidades do seu labor. Assim, através de materiais de arquivo ou entrevistas realizadas para o próprio filme, Tornatore reuniu testemunhos de gente tão variada e tão talentosa como Bernardo Bertolucci, Clint Eastwood, Roland Joffé, Quentin Tarantino e John Williams..Seja como for, a matéria central do filme é a longa entrevista que Tornatore registou com o próprio Morricone, no cenário de sua casa, onde começamos por descobri-lo... a fazer ginástica. A concisão das suas palavras leva-nos mesmo a sentir, por vezes, que os testemunhos dos seus pares, ainda que genuínos e calorosos, podiam ser dispensados na estrutura narrativa do documentário..Os melhores momentos são aqueles em que Morricone explica a gestação e os conceitos de algumas das suas bandas sonoras, tanto mais que Tornatore tem o cuidado de montar os extratos dos respetivos filmes de modo a ajudar o espectador a seguir o pensamento do próprio compositor - são magníficos, por exemplo, os minutos gastos a abordar a cena de abertura de outro clássico de Leone, Aconteceu no Oeste (1968), em particular pelo modo como Morricone explica como a sua conceção musical acabou por influenciar de forma decisiva a composição dos próprios ruídos, extremamente elaborados ("como uma música"), dessa cena emblemática..Há em tudo isto uma moral insólita, mais irónica que dramática. De facto, Morricone era um artista de impecável formação clássica - com muitas composições alheias ao mundo do cinema - que se manteve sempre fiel ao espírito criativo do seu mestre Goffredo Petrassi (1904-2003). Com uma diferença significativa: Petrassi aconselhou-o a seguir a sua própria opção, abandonando o cinema para se dedicar a coisas mais "sérias"....dnot@dn.pt