Entre os anos 1940 e os anos 1960, o jornalista Luís Caldeira Lupi, fundador da agência Lusitânia, foi uma figura marcante na sociedade lisboeta." Começa assim o livro Jornalista, Espião e Empresário: A vida aventureira de Luís Lupi nos corredores do Estado Novo. A obra, da co-autoria de Wilton Fonseca e Gonçalo Pereira Rosa, foi lançada na passada semana num evento na Casa da Imprensa..O livro Jornalista, Espião e Empresário conta a história de Luís Lupi, iniciando a narrativa com a vida do protagonista em criança, passando pela relação com Nita Lupi, prossegue com a carreira como jornalista e revela ainda algumas curiosidades, com fotografias de arquivo..Com estas obras, os dois autores pretendem dar a conhecer como funcionava a censura, a relação dos jornalistas com o Estado Novo e a ideia da importância que assume uma agência noticiosa. "As agências noticiosas são vistas como o parente pobre da comunicação social. Nas agências, os jornalistas não assinam os artigos e quando assinam metem apenas as iniciais. Os jornais tratam mal o trabalho das agências noticiosas. Os jornalistas devem fazer uma reflexão sobre as agências", disse Wilton Fonseca numa conversa com O DN..Wilton Fonseca era chefe de redação da agência noticiosa NP quando lhe chegaram às mãos vários documentos sobre a imprensa durante o Estado Novo. "Um dia, chegou à redação uma senhora com um advogado a dizer que precisava de falar com alguém. Olhei para redação e era daqueles dias em que as coisas estavam completamente impossíveis. Por isso, era quase impossível falar com a senhora. Apenas lhe pedi para deixar o material comigo. Não consegui que ninguém se interessasse por aquilo. Só quando saí da NP e fui para outro sítio, onde tinha mais tempo, resolvi ver aquela papelada. Descobri que aquela papelada era uma coisa riquíssima", contou..Foi nesses documentos que chegou ao nome de Luís Lupi e da agência Lusitânia. A curiosidade por este personagem levou-o a investigar mais. "Cheguei até à viúva de Luís Lupi, a dona Nita Lupi, que me recebeu e mostrou um baú com documentos e fotos sobre a vida dele", explicou. No entanto, segundo Wilton Fonseca, este baú encontra-se agora perdido..O co-autor descreve o jornalista como "um homem muito avançado para a sua época, apesar de ser um salazarista, reacionário, um homem do regime". Quando Luís Lupi fundou a agência Lusitânia, a primeira coisa que ele fez foi um livro de estilo para os jornalistas, o qual, segundo Wilton Fonseca, é muito parecido aos dos dias de hoje. "Achava que as agências tinham um papel fundamental na preservação e na difusão da política portuguesa"..Para Wilton Fonseca, a parte mais misteriosa da vida de Lupi foi o que fez durante a Segunda Guerra Mundial enquanto jornalista da Associated Press. Não sendo permitida qualquer troca comercial entre a Alemanha e os Estados Unidos, Lupi conseguiu receber em Lisboa, território neutral, fotografias da Alemanha e dos EUA. "Recebia em Lisboa as fotos da sede da Associated Press na Alemanha e mandava essas fotos para Nova Iorque e dos Estados Unidos recebia fotos em Lisboa para depois mandar para a Alemanha. Isso era uma coisa impensável porque ninguém podia fazer este tipo de comércio. Tenho a sensação que este tipo de ação era do conhecimento das autoridades portuguesas. Não estou a imaginar uma situação em que o Salazar não tivesse conhecimento. No entanto, ainda não encontrei nenhum documento que me provasse isso"..Apesar de ser conhecido como salazarista, a primeira ideia que Lupi teve de Salazar não o deixou impressionado. "Achou que estava mal vestido e que não tinha bom aspeto. Enfim, que era um saloio", declara Wilton. No entanto, com o passar do tempo Lupi começa a escrever que o chefe de Estado era "a grande surpresa e que estava a fazer um trabalho magnífico". "Começa a criticar as pessoas que o rodeiam na esperança de ser chamado para colaborar com o governo, mas Salazar nunca simpatizou e nem confiava nele", acrescenta..Depois do 25 de abril, Luís Lupi foi para Madrid tentar fazer um levantamento político sobre Portugal que derrubasse o regime instaurado, mas sem sucesso. Morreu em 1977 na capital espanhola, onde está sepultado..mariana.goncalves@dn.pt