No panorama inflacionado das estreias de cinema - será que faz sentido lançar, como acontece esta semana, 11 novos títulos nas salas? -, eis uma bela descoberta. Atrasada, é certo, mas um pequeno grande acontecimento de cinema: Love Life é uma produção de 2022, com assinatura de Koji Fukada (n. 1980), por vezes citado como elemento de uma certa “nova vaga” da produção japonesa a que também pertence, por exemplo, Ryûsuke Hamaguchi (Drive My Car).O título Love Life poderá fazer supor que se trata da habitual designação inglesa para o mercado internacional. De facto, trata-se do título (também em inglês) da canção da veterana Akiko Yano (n. 1955) que se ouve no genérico final do filme, proveniente do seu álbum de 1991, também chamado Love Life - recordemos, a propósito, que a sua popularidade foi consolidada através de uma pop eletrónica com alguns temperos jazzísticos que, ao longo dos anos, a levou a colaborar com gente tão diversa como Ryuichi Sakamoto, Pat Metheny ou David Sylvian.Estamos, realmente, perante uma história de amor, ou melhor, uma teia de amores desencontrados. Ou ainda: uma odisseia intimista sobre a possibilidade ou impossibilidade de os movimentos amorosos se conhecerem, reconhecerem e encontrarem algum compromisso de equilíbrio que não renegue as suas origens, quer dizer, que ainda seja amoroso.As peripécias narradas pelo argumento de Fukada (que se inspirou, justamente, na canção de Akiko Yano) não bastarão para compreender as muitas subtilezas da sua mise en scène, até porque importa ter alguma contenção e não revelar mais do que é devido ao leitor/espetador. Digamos apenas que Love Life começa por ser o retrato de Taeko (Fumino Kimura), do seu filho Keita (Tetta Shimada) e do seu marido Jiro (Kento Nagayama) - acontece que Park (Atom Sunada), pai biológico de Keita, vai reaparecer num momento particularmente dramático da existência do casal...Como é que estas personagens vão poder dialogar? A pergunta está longe de ser exclusivamente afetiva ou social, já que envolve uma questão processual que não se esgota na sua dimensão “técnica”. A saber: Park é surdo e Taeko acaba por ser a única personagem que conhece a respetiva linguagem gestual - aliás, curiosamente, antes do aparecimento de Park já a tínhamos visto a aplicar, por breves momentos, essa linguagem com o filho.Aquilo que começa por se apresentar como uma crónica “novelesca” vai-se transfigurando num melodrama de inesperada densidade emocional. E tanto mais quanto Fukada não procura exacerbar o efeito dramático dos conflitos (como é típico da mediocridade “telenovelesca”), mantendo o seu filme num registo de ambígua transparência em que a harmonia dos lugares depende, e muito, da capacidade de diálogo das personagens. Certamente pelo valor narrativo das palavras, ele gosta de lembrar que foi muito influenciado pelo cinema do francês Eric Rohmer - o que, bem entendido, só lhe fica bem.A herança de Ozu Love Life integra uma longa e fascinante tradição, não apenas temática, mas subtilmente filosófica, de abordagem dos universos familiares ao longo da história do cinema japonês. E pensamos, desde logo, nas heranças de Yasujiro Ozu (1903-1963) ou Nagisa Oshima (1932-2013), em particular no modo como as personagens dos filhos, muitas vezes enquanto crianças, são vitais nas respetivas obras - lembremos os casos emblemáticos de Eu Nasci, Mas... (1932) e Bom Dia (1959), ambos de Ozu, ou O Menino (1969), de Oshima.Sem esquecer, claro, que na produção japonesa das últimas décadas, Hirokazu Kore-eda (n. 1962) tem sido um dos autores mais empenhados em observar as transformações do espaço familiar em filmes como Ninguém Sabe (2004) ou Tal Pai, Tal Filho (2013). Tal como Kore-eda, Fukada é conduzido por um olhar que procura as verdades mais íntimas para lá das evidências do quotidiano..'Com a Alma na Mão, Caminha'. Notícias de Gaza para lá da televisão.'Abril'. O realismo cru que vem da Georgia