Lição básica de humanismo
Eis o filme que causou a ira do Gverno Polaco. Ainda antes de se estrear no país, em setembro, e depois de ter conquistado o Prémio Especial do Júri no último Festival de Veneza, Green Border - Zona de Exclusão foi alvo de uma campanha que visava descredibilizar o seu pouco simpático retrato dos guardas que vigiam a fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. Alvo de críticas obscenas, desde logo, uma absurda comparação com propaganda nazi, a realizadora Agnieszka Holland declarou na altura à revista Variety que considerava "abominável e perigoso o ódio orquestrado pelas mais altas autoridades polacas", e que a respetiva reação só provava "o quão profundamente verdadeiro e importante é o filme", capaz de mostrar as coisas como são. Pois bem, não tenhamos dúvidas: o mérito de Green Border reside por inteiro nessa capacidade de fazer tremer aqueles que se sentem expostos.
Seguindo, a princípio, uma família de refugiados sírios e uma mulher afegã que tentam fazer o seu caminho até à Europa (o ano é 2021), o filme abre janelas sobre diferentes personagens envolvidas no mesmo cenário. Passa do terror vivido por esses e outros refugiados - que são expulsos sucessivamente de um lado e do outro da fronteira, como mochilas pontapeadas a bel-prazer dos guardas, nos acessos de arame farpado - para o rosto jovem de uma dessas figuras de autoridade, colocando um terceiro ângulo sobre o trabalho dos ativistas; em particular, uma cidadã que se mobiliza depois de testemunhar a violência do Exército sobre a referida mulher afegã.
Nestes blocos de ação, quase todos repletos da mais explícita prova do horror a que estão sujeitos aqueles que são obrigados a fugir dos seus próprios países, Holland escreve a sua carta raivosa à Europa e a todos os que se deixam levar pelas teorias dos Governos de extrema-direita. Uma atitude digna de ruidoso aplauso, claro. O problema é que Green Border, na sua postura de lição básica de civismo e humanismo, faz pouco no sentido de explorar as zonas cinzentas, já agora, da sua fotografia a preto e branco, antes alojando-se na suposição de que o máximo choque e desconforto é a única forma de abrir consciências.
Tenho muitas dúvidas de que seja por aí que o filme consiga vingar junto daquele que não é o seu espectador natural - o espectador que já sabe de que lado está. A falta de subtileza e a construção de uma mensagem em bruto, que opera pela via da desumanidade pura, no contraste direto com o gesto humano mais afetivo, deixa um sabor amargo em matéria de sensibilidade cinematográfica. Para Holland, a veterana de 75 anos nascida em Varsóvia que nos deu Europa, Europa (1990), fazer um filme necessário e sem papas na língua foi a sua forma de mostrar o papel vital do cinema. Mas, muitas vezes, um "filme necessário" não é necessariamente um bom filme. Que as autoridades polacas tenham sentido um forte beliscão, isso sim, eleva este trabalho. Porém não deixa de ser um fator externo, apenas relacionado com a dureza do assunto e da sua representação, sem que outro tipo de qualidade intrínseca tenha tido margem de manobra, de tal modo o foco absoluto é o tema.