Lá se foi o estado de graça de Florian Zeller 

Depois de O Pai, filme que valeu a Anthony Hopkins o segundo Óscar, O Filho é a nova incursão de Florian Zeller como realizador. Um retrato da doença mental de um adolescente que é difícil de ver, e não pelas razões certas. Uma valente deceção.

É impressionante como Florian Zeller passou de uma engenhosa abordagem do sofrimento de um homem octogenário com demência para um drama manipulador sobre um adolescente depressivo, emoldurado numa reflexão sobre os padrões da paternidade. Se, em O Pai, Anthony Hopkins, pela sua laboriosa interpretação, e Zeller, pela eficácia da mise-en-sène no interior de um apartamento, transformavam a doença mental num complexo jogo de espelhos, O Filho, que agora se estreia, é do mais escarrapachado que se viu recentemente. Um drama tão imerso na sua vontade de dar visibilidade a um "tema difícil" que se esquece da própria delicadeza desse tema e da importância de o tratar da forma mais subtil possível.

Em vez disso, o dramaturgo-realizador optou por uma leitura direta e superficial de uma realidade que se apresenta ao espectador dentro do esquema mais óbvio, com diálogos tão mecânicos que parece mentira virem da pena do mesmo Zeller de The Father. Neste novo filme partimos da desorientação de uma mãe (Laura Dern), que, ao ser informada de que o filho não põe os pés na escola há um mês, transmite essa mensagem preocupante ao pai do adolescente e ex-marido (Hugh Jackman), conseguindo operar uma mudança provisória e animadora: o rapaz expressa o desejo de ir viver com o pai durante uns tempos, partilhando a casa com a madrasta (Vanessa Kirby) e o meio-irmão recém-nascido; pedido que é respeitado sem qualquer entrave. Ele, Nicholas (Zen McGrath), transfere-se então para outro ambiente doméstico, e para outra escola, mas nada muda no seu interior, embora os pais acreditem candidamente que tudo está a tomar um bom caminho, apesar das evidências em contrário, como por exemplo a madrasta encontrar uma faca debaixo da almofada dele e o pai confrontá-lo apenas para confirmar que tem os pulsos cheios de marcas e cortes recentes...

Não é preciso contar muito mais sobre o que sucede em O Filho para se perceber que há algo que não bate certo nesta representação de um quadro de instabilidade mental. A partir do momento em que sai da boca de um adolescente uma frase sobre como "a vida lhe pesa", e esse miúdo não tem amigos nem é submetido ao mínimo de vigilância (depois de ter faltado um mês à escola, seria apenas razoável), não é credível que estes pais endinheirados simplesmente deixem a coisa andar, como se fosse só uma fase, sem atuar perante a clareza do cenário. Essa é a primeira grande falha de um filme que não constrói nuances, limitando-se a fabricar a ideia de "cegueira" do amor paternal - que tem ainda outra camada no facto de a personagem de Jackman estar a tentar ser diferente do seu próprio pai (personificado por Anthony Hopkins, numa caricatura de insensibilidade).

Mas o pior ainda está para vir. A cena (pré-)final de O Filho é quase da ordem do obsceno, pela maneira como consuma os alertas vermelhos que deu ao espectador o tempo todo, sem nenhum resguardo em relação à dor concreta da situação. Não é apenas um erro de argumento, é a prova absoluta de uma generalizada falta de tato, que não pode ser atribuída ao elenco. Os atores estão presos a um texto desastrado.

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