Nascido em Seoul, em 1960, o cineasta sul-coreano Hong Sang-soo tem conquistado algumas plateias (e festivais) da Europa através da sugestiva ambivalência dos seus filmes: neles encontramos personagens indissociáveis de fatores sociais e culturais da Coreia do Sul que, em qualquer caso, vivem enredos que transcendem fronteiras e nos aproximam dos respetivos enigmas. Assim volta a acontecer com As Aventuras de uma Viajante na Coreia do Sul, filme distinguido com um Urso de Prata (Grande Prémio do Júri) na edição de 2024 do Festival de Berlim.A viajante a que o título se refere é uma francesa, de nome Iris, interpretada por Isabelle Huppert. Ela está na Coreia do Sul em situação, no mínimo, instável, marcada por problemas financeiros de origem difusa - esforça-se por manter uma pose de naturalidade que, em qualquer caso, parece quase sempre algo forçada. Mais do que isso, a situação é tanto mais bizarra quanto Iris não conhece a língua do país, exprime-se num inglês correto mas algo hesitante e anda a angariar pessoas para... lhes ensinar francês.Claro que o espetador é levado a perguntar quem é Iris, de onde vem e o que pretende. Não que ela suscite algum tipo de suspeita - estamos perante um drama sem componentes policiais, aqui e ali pontuado por momentos de desconcertante humor. O certo é que não podemos deixar de compreender as dúvidas da mãe (Lee Hye-yeong) de Inhuk (Ha Seong-guk), o jovem que acolheu Iris em sua casa, quando tenta perceber quem é aquela mulher que o filho aceitou, com total candura, na sua existência.Com alguma ironia, poderemos considerar que a mãe de Inhuk não pertence ao universo moral de Hong Sang-soo. Tal como acontece em A Mulher que Fugiu (2020), um dos seus filmes que chegou ao mercado português, as referências ao passado são escassas ou imprecisas. O cinema de Hong Sang-soo é mesmo avesso a qualquer determinismo psicológico que reduza o passado a chave “científica” do presente. O que mais conta é o modo como as mulheres e os homens pertencem, ou podem pertencer, a cada lugar.Nesta perspetiva, Isabelle Huppert emerge como símbolo exemplar da visão de Hong Sang-soo, ela que, com estas aventuras, tem a sua terceira colaboração com o realizador coreano, depois do bem chamado Noutro País (2012) e ainda La Caméra de Claire (2017). Com o charme discreto de quem sabe compor uma personagem como um mistério andante, Huppert consegue transformar os mais banais incidentes do quotidiano (passear na rua, fumar um cigarro, etc.) num capítulo breve de um romance que está por escrever. Ela é o ovni do cinema de Hong Sang-soo, afinal servindo de filtro humano para uma revelação que pode ter tanto de angustiante como de risonho: cada um existe como o estrangeiro do outro.