Ir à Lua com Jim Carrey e romper as grades com Angela Davis

Para além da seleção oficial, o LEFFEST apresenta retrospetivas, de Jim Carrey, Sérgio Tréfaut e do movimento L.A. Rebellion, e ciclos temáticos à volta da culpa e das prisões, com uma convidada de peso: Angela Davis.
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Aos 60 anos, e com mais de 40 de carreira, Jim Carrey anunciou a sua retirada do cinema. Será isso, mas não só, que justifica a retrospetiva que o LEFFEST - Lisbon & Sintra Film Festival lhe dedica nesta 16ª edição, com o subtítulo "Será que Ele Existe?". Foi o próprio quem, durante algum tempo, afirmou em entrevistas que "Jim Carrey não existe", levantando rumores na internet sobre a sua saúde mental... E no entanto esta frase é do génio da comédia (e do drama) que, ao assumir o fantasma da depressão, adquiriu uma nova perspetiva sobre si mesmo, procurando uma espécie de regeneração psíquica através da pintura, de cartoons políticos e de uma ficção autobiográfica lançada em 2020: Memoirs and Misinformation.

Dana Vachon, coautor do livro, é um dos convidados do festival (e membro do júri), que virá falar sobre essa narrativa criada a quatro mãos, onde Carrey se dá a conhecer como um ator milionário que, após a época dourada da carreira, se depara com o medo da morte e do esquecimento. Um livro tão próximo de elementos autobiográficos, e da sua verdade humana, quanto envolto numa fantasia que procura refletir a condição de qualquer estrela num mundo de excessos e de culto do eu.

Em 12 filmes, há encontro marcado com o comediante de topo, qual ser enérgico capaz da mais espetacular ginástica expressiva - A Máscara, Doidos à Solta, Ace Ventura: Detetive Animal, O Melga, O Mentiroso Compulsivo, Ela, Eu e o Outro, Bruce Todo-Poderoso, Eu Amo-te Phillip Morris... -, mas também com o brilhante ator dramático de Truman Show - A Vida em Direto, O Despertar da Mente e Homem na Lua, este último um biopic assinado por Milos Forman, onde veste a pele da lenda do humor performativo Andy Kaufman (1949-1984). Uma interpretação assombrosa, certamente indissociável da imagem de Jim Carrey, um dos maiores atores do nosso tempo.

Continuando nas retrospetivas, Sérgio Tréfaut é o outro homenageado deste ano. O realizador nascido em São Paulo, que desde os 10 anos viveu entre Paris e Lisboa, por causa da ditadura brasileira, está agora de volta ao país natal, mais precisamente ao Rio de Janeiro, onde pouco antes da pandemia filmou o documentário Paraíso, sobre um grupo de idosos que se reúne para cantar canções de amor no Palácio do Catete, testemunho de um ritual à beira do desaparecimento. Para além deste, revisitam-se títulos conhecidos como A Cidade dos Mortos, Viagem a Portugal, Alentejo, Alentejo, e Treblinka, dentro de uma linha de cinema que nunca descansa no documental ou no ficcional, sempre de olhos postos nas questões que interessam a Tréfaut. Caso do mais recente A Noiva, apresentado no Festival de Veneza, que conta a história de uma jovem europeia a viver num campo de prisioneiros no Iraque, com dois filhos e grávida de um terceiro, prestes a ser julgada pelos tribunais iraquianos, três anos depois de ter casado com um guerrilheiro do Daesh. O filme será exibido em antestreia.

Destaca-se ainda a grande retrospetiva L.A. Rebellion, em torno de um dos movimentos fundadores do cinema independente americano, com a presença de uma mão-cheia de figuras emblemáticas dessa expressão afro-americana: Charles Burnett, Ben Caldwell, Julie Dash, Billy Woodberry e Haile Gerima. Sendo que todos os caminhos vão dar a "Romper as Grades", o programa especial desta edição, um espaço para pensar a realidade das prisões, quer através de distintas obras da história do cinema, como Le Trou, de Jacques Becker, Fugiu um Condenado à Morte, de Robert Bresson, ou O Presidiário, de Stuart Rosenberg, quer por via de um debate sobre o abolicionismo (dia 15, 21h00, Teatro Tivoli BBVA), com a autora Gina Dent e Angela Davis, a mais proeminente filósofa no ativismo pelos direitos dos negros e das mulheres (alerta: nas sessões especiais, encontram-se dois documentários sobre a vida dela).

Finalmente, em diálogo com o programa "Romper as Grades", há também o ciclo "Sou Culpado?", com títulos fundamentais e raros de Ingmar Bergman, Robert Kramer, Barbara Loden, Nobuhiko Obayashi, entre outros. Eis uma edição para libertar consciências.

dnot@dn.pt

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