Hugh Jackman põe-nos em sentido!

Florian Zeller tem direito a competição com o sucessor de O Pai, O Filho, na verdade superior. Além de Anthony Hopkins, num pequeno papel, temos Hugh Jackman num dramalhão que cumpre. Mas nos corredores de Veneza já se começa a pensar nos favoritos para o Leão.

Segundo filme de grande perfil na competição principal baseado numa peça de teatro. The Son, faz parte de uma trilogia de peças do dramaturgo francês Florian Zeller, o mesmo que ainda tem A Mãe para adaptar ao cinema e já adaptou O Pai, o muito bem recebido filme que deu o Óscar a sir Anthony Hopkins. De novo a realizar sem rede, o francês vai até Nova Iorque para fazer um drama psicológico muito americano e com algumas paisagens e feeling da Grande Maçã. Na sessão ontem de imprensa foi aplaudido e é sensato acreditar que estão reunidas as condições para mais um sucesso de estima.

Depois do alzheimer em O Pai, desta vez o tema desta crónica familiar é a saúde mental. O filme conta a história de um adolescente, Nicholas, rapaz problemático a sofrer uma grande depressão após o divórcio dos pais. Depois de viver com a mãe, Nicholas tenta uma temporada com o pai, agora casado com Beth e com um bebé. Aos poucos, um mal-estar naquela casa atinge níveis insuportáveis. O pai começa a perceber que a culpa de todo aquele comportamento pode ser sua e lembra-se da forma como abandonou o filho e a primeira mulher. Uma culpa que advém também da relação deteriorada que tem com o seu poderoso pai. Todo este círculo de personagens tem atores de eleição, a começar por Hugh Jackman, o pai. Um Hugh Jackman impecável e escrupuloso numa subtileza que espantará muitos. A mãe dilacerada é interpretada com um estofo notável por parte de Laura Dern, enquanto a madrasta é uma espantosa Vanessa Kirby. Depois, e muita atenção, há o pai do pai, um Anthony Hopkins que numa só cena enche o filme todo. Cinema de atores? Talvez seja melhor enfatizar cinema de emoções fortes servido com uma complexa mistura de linguagem de cinema e processos teatrais. De alguma forma, é um passo em frente em relação a O Pai.

O Filho, em toda a sua expansão, é um olhar sobre a paternidade no seio da instituição familiar e aborda o tema do suicídio adolescente com uma discrição magnética. Um texto imenso, todo ele guiado com uma sofisticação "climática" que nos obriga a entrar neste drama com uma tensão exemplar. É realmente daqueles casos de um filme que nos põe em sentido, mesmo quando em alguns momentos resvale para uma narrativa de espetáculo burguês, quase em jeito de manual de crise de problemas do 1.º Mundo de ricos nova-iorquinos caucasianos... Florian Zeller não quer fazer cinema com muitas pretensões e essa é a sua vitória, ele que num "statement" no catálogo do festival admite que este tema é-lhe bastante próximo.

Uma certa simpatia celta

Entretanto, o festival termina neste sábado e começa já a especulação sobre favoritos. O bom senso manda acreditar que The Whale, de Darren Aronovsky possa estar bem à frente - foi o filme mais aplaudido, reúne consenso crítico, embora numa poule de vários críticos da revista Ciak o filme mais votado é Bones and All, de Luca Guadagnino, aposta da Warner com Timothée Chalament como bom canibal... Muito próximo também está outro dos mais aplaudidos, Os Espíritos de Inesherin, de Martin McDonagh, cineasta que repete aqui a dupla de Em Brugges, Colin Farrell e Brendan Gleeson, uma comédia ária irlandesa sobre dois amigos numa ilha que se deixam de falar.

Este conto insular pode ser um dos campeões de popularidade mas fica aquém do que este dramaturgo e realizador já fez. Trata-se de uma obra que de mansinho expõe em demasia a sua estratégia comercial: a simpatia do provincianismo celta, os violinos irlandeses, os sotaques, as piadas de pub... A Disney, claro está, vai puxar o filme para a temporada dos prémios e em Portugal já há estreia confirmada para as semanas perto dos Óscares. O próprio McDonagh confessava-me que está preparado para esta campanha da temporada e não esconde vontade de estar no palmarés, apesar de ser fã de Andrew Dominick, o cineasta que compete consigo com Blonde, a adaptação de Joyce Carol Oates sobre a tragédia Marylin Monroe.

O maior drama desta comédia é parecer-se como uma mera anedota. Uma anedota filmada com meios a mais (parece um filme endinheirado) e a satisfazer-se com as vistas turísticas da Irlanda verde. Não faltam bruxas, o tolo da terra e animais patuscos, em especial uma burra que vai fazer as delícias dos espetadores menos exigentes. The Banshes of Inesherin é o filme mais inflacionado de Veneza...

dnot@dn.pt

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