Homens de letras do Porto querem reforçar o legado do patrono Rodrigues Sampaio

No 140.º aniversário, associação portuense prestou homenagem ao patrono Rodrigues Sampaio com a inauguração de um busto no espaço público e anunciou a aquisição do espólio do escritor e linguista Óscar Lopes. Defesa e promoção da liberdade de expressão continua a ser a principal causa
Publicado a
Atualizado a

Nascida há 140 anos para homenagear uma das maiores figuras do liberalismo português do séc XIX, o jornalista e político António Rodrigues Sampaio (que chegou a presidente do Conselho de Ministros em 1881), mantém-se em atividade no Porto a mais antiga Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do país e uma das mais antigas na Europa. Apostada em "reforçar o legado" do seu patrono "em defesa de um valor cada vez mais fundamental como a liberdade de expressão" - refere o presidente, Francisco Duarte Mangas - a associação comemorou esta quarta-feira o 140.º aniversário com uma série de iniciativas que permitem não só honrar o passado como assegurar continuidade a uma causa sem prazo de validade.

Em frente ao edifício sede da instituição, em plena Baixa portuense, foi inaugurado um busto de Rodrigues Sampaio, com a associação a revelar também o regresso da atribuição do Prémio com o nome do antigo jornalista, "uma antiga iniciativa da associação, que premiava um ensaio, e que foi interrompida nos anos 80, voltando agora como galardão bianual que distinguirá uma personalidade da vida portuguesa que se tenha destacado, tal como Rodrigues Sampaio, na defesa da liberdade de expressão como marca para uma sociedade verdadeiramente democrática".

Outro momento marcante desta sessão comemorativa foi o anúncio da aquisição do espólio do escritor e linguista Óscar Lopes, figura destacada da cultura portuense e nacional do século XX, e também ele um antigo dirigente da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP), na qual liderou "um dos acontecimentos mais marcantes" da história da coletividade, "com os colóquios por ele organizados nos anos 60 [do século passado] e que reuniram muitos dos escritores mais importantes na oposição à ditadura", refere Francisco Duarte Mangas, em conversa com o DN. Essas "sessões cheias que agitaram a cidade" levaram mesmo a PIDE (polícia política do Estado Novo) a seguir de perto a atividade da associação, como os seus dirigentes atuais puderam comprovar nos ficheiros arquivados na Torre do Tombo.

Do espólio de Óscar Lopes agora cuidado pela AJHLP constam livros, cartas, postais, jornais, notas, fotos, agendas, dactiloscritos, documentos de trabalho e pessoais, numa coleção "essencial a uma compreensão da história social, cultural e política do século XX" e que permite também aprofundar o olhar e o estudo sobre "a vida e a obra de uma das personalidades mais singulares daquele século".

De resto, a missão da direção liderada por Francisco Duarte Mangas, escritor e antigo jornalista do Diário de Notícias, tem passado por revitalizar a atividade e o património da associação, desde logo com a recuperação do edifício sede (na Rua Rodrigues Sampaio, 140), que tem vindo a ser reabilitado, o renascimento da Gazeta Literária cuja publicação tinha sido interrompida nos anos 70 e um conjunto de iniciativas que pretendem reforçar a abertura da associação à sociedade civil e a presença nos circuitos culturais portuenses, "desde colóquios a um programa de edições de livros com cinco a seis títulos por ano, exposições, ciclos ligados à memória,​​​​​ ou o ciclo Encontros do Bonjardim, em curso este ano, a propósito do 140.º aniversário, e que debate o jornalismo".

Como próximo objetivo, o presidente da AJHLP "gostaria ainda de conseguir concretizar a reabertura da biblioteca da associação" - com cerca de 30 mil títulos e arquivo de manuscritos, fotografias e outros documentos de importância cultural de relevo - até final do próximo ano, em que termina o atual mandato.

O jornalismo, as letras e a liberdade de expressão mantêm-se como os princípios orientadores da atividade da associação, tal como há 140 anos, quando um grupo de jornalistas do Porto prestou tributo póstumo a António Rodrigues Sampaio, trinta dias após a sua morte, exibindo um busso de gesso (que agora passou a bronze) do homeageado no Real Teatro S. João, na mesma noite em que fizeram nascer a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.

A missão "mantém-se atual" e o legado de Rodrigues Sampaio - "um radical liberal", "setembrista", "o Sampaio da Revolução [foi redator principal do jornal A Revolução de Setembro]" - "faz todo o sentido hoje, numa altura em que a defesa da liberdade de expressão está fortemente ameaçada, em Portugal e em todo o mundo", sublinha Francisco Duarte Mangas, preocupado com "a situação dramática" dos jornalistas e homens de letras no Porto, onde a atividade tem perdido presença e massa crítica.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt