O muito aguardado F1, o novo filme de Brad Pitt, chega hoje às salas de (quase) todo o mundo. A ante-estreia europeia, em Londres, acolheu Tom Cruise como convidado surpresa. Certamente por amizade e cumplicidade artística - afinal de contas, Joseph Kosinski, realizador de F1, foi também quem dirigiu Cruise em Top Gun: Maverick (2022), depois de uma primeira colaboração na aventura de ficção científica Oblivion/Esquecido (2013); mas também pelo simbolismo da sua veterania: com 61 e 62 anos de idade, respectivamente, Pitt e Cruise surgem como derradeiros símbolos masculinos de um conceito clássico de estrela.Ao descobrirmos Brad Pitt no papel de Sonny Hayes, um ex-piloto de Fórmula 1 que nunca conseguiu concretizar os seus sonhos, dir-se-ia que a sua performance de actor e a missão da sua personagem - ensinar o novato Joshua Pearce (Damson Idris) a vencer a sua própria arrogância - se projectam num mesmo ponto de fuga. A saber: refazer uma certa ideia de heroísmo, indissociável de muitas formas e fórmulas do cinema enquanto espectáculo visceralmente popular.Sonny regressa mesmo às pistas de Fórmula 1 e, de Silverstone (Inglaterra) até Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), vai protagonizar uma saga que relança um modelo clássico ligado a alguns géneros tradicionais de Hollywood, a começar pelo “western”. Se observarmos com atenção a lógica dramática dos filmes finais de Howard Hawks com John Wayne - de Rio Bravo (1959) a Rio Lobo (1970), passando por El Dorado (1966) -, compreendemos que Brad Pitt, tal como Tom Cruise (lembremos os oito títulos de Missão: Impossível), estão conscientes do papel simbólico que lhes pertence no mapa global do cinema.Será preciso vencer o cinismo cultural que passou a marcar os discursos dominantes (entenda-se: de raiz televisiva) sobre o cinema. Não estamos, de facto, perante a boçalidade criativa consagrada pela maior parte dos (e das) “influencers” que povoam o espaço “social”. Aí, o cinema é tratado como coisa pitoresca, compulsivamente divertida, favorecendo o triunfo comercial dos modelos digitais do “entertainment” (se o leitor pensou na vulgarização artística que tem marcado os títulos mais recentes da Marvel... acertou em cheio). Ora, neste contexto, um filme como F1 é uma aposta, decididamente fora de moda, em matrizes de aventura e dramaturgia cujas raízes se podem encontrar nos exemplos mais remotos da história do cinema.Sublinhemos o paradoxo deste tipo de produção. Sim, é verdade que F1 colhe inspiração num cinema “antigo”, até mesmo anterior à idade moderna dos “blockbusters” (iniciada com Tubarão, de Steven Spielberg, actualmente a celebrar os seus 50 anos). Ao mesmo tempo, não é menos verdade que o faz através da aplicação de uma tecnologia de ponta cujos artifícios, delirantes e vertiginosos, não excluem o reforço paradoxal da sensação, eminentemente realista, do que possa ser conduzir um carro a mais de 300 km/hora.Elogio dos secundáriosNão menosprezemos, por isso, a revalorização dos intérpretes como elemento também fulcral deste cinema que não quer desistir do valor insubstituível do acto de ver um filme em sala (IMAX, se possível). E não apenas através da presença de um actor como Brad Pitt (a fruir as nuances da sua própria maturidade depois de, em 2020, ter recebido o Óscar de melhor secundário em Era uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino). Esta é também uma arte de representação que passa pelos chamados “secundários” e respectivas personagens.Veja-se com a devida atenção, o trabalho de Javier Bardem e Kerry Condon - ele é o velho rival que contrata Sonny para salvar a sua equipa, ela tem por missão garantir a eficácia dos respectivos carros. Por ambos perpassa a alegria de um cinema em que a exuberância visual (e sonora!) não exclui a vibração humana.