De uma coisa este festival não pode ser acusado: de falta de generosidade. Há prémios e homenagens para todos. Javier Bardem recebeu já um prémio de carreira logo a abrir e não se cansou de afirmar que estava honrado e encantado, mesmo quando depois saiu de uma cerimónia ao perceber que havia uma marca de presunto a querer ter publicidade indevidamente. No fim-de-semana foi a vez de Cate Blanchett, precisamente o rosto do cartaz desta 72.ª edição. A atriz australiana recebeu o galardão de carreira das mãos de Alfonso Cuarón, o realizador que a dirigiu na série da AppleTV+, Disclaimer. Mais para o fim será a vez da consagração a Pedro Almodóvar. O realizador vem ao País Basco ainda fresco do ouro recebido no Festival de Veneza. Nomes grandes para uma edição com um nível bem positivo na seleção oficial. Torna-se cada vez mais forçado olhar-se para esta programação como não apenas refugo daquilo que não entra nas escolhas de Veneza….Um robot de qualidade.Na secção Pérolas, destinada a filmes já mostrados noutros certames ou sem vocação competitiva, destaque para uma animação de um grande estúdio americano, Robot Selvagem, de Chris Sanders, com estreia marcada para Portugal já no próximo dia 10. Lupita N’yongo, a voz do robot do título, veio a San Sebastián, mas deve ter ficado nos pintxos pois não deu entrevistas para a imprensa internacional. Trata-se da história de um robot do futuro que acidentalmente vai parar a uma ilha selvagem habitada por várias espécies de animais. Programada para ser fiel às tarefas, acaba por ficar responsável por um ganso bebé. Na verdadeira aceção da palavra, como uma mãe. Este é depois de Bambi como que um novo clássico de animação sobre maternidade, muito mais do que uma resposta ao conto de robots da Pixar, Wall.e. Acresce a isso uma nova abordagem de técnicas digitais de animação, aqui a namorar vários tipos de pintura. Um pequeno grande triunfo da Universal, por certo já fadado para poder ser um grande competidor de Divertida-Mente 2 nos próximos Óscares….Crónica de costumes chilenos.Ontem também foi o dia de um dos bastantes filmes da Netflix chegar ao centro de congressos Kursaal: En Lugar de la Otra, da chilena Maite Alberdi, produção de Pablo Larraín. Boa surpresa que relata sem esquematismos o caso do crime passional da escritora Maria Carolina Geel, que nos anos 1950 matou em público o seu amante como forma de citação literária. Alberdi finta os clichés da “história verídica” e monta um diálogo com a chamada crónica social de um país machista. Também da Netflix ainda se esperam A Plataforma 2, de Galder Gaztelu-Urrutiade, e El Hombre que Amava Los Pratos Voladores, de Diego Lerman, já para não falar que foi já exibido Emilia Perez, de Jacques Audiard, a escolha da França na corrida ao Óscar de melhor filme internacional (por acaso, em Portugal os direitos ficaram para a NOS). E a propósito de Emilia Perez, no encontro para a imprensa, Karla Sofia Gascón, a atriz trans que consegue ser um intimidante chefe de um cartel e a sua versão trans, afirmou que agora está desejosa de ser heroína numa fita da Marvel ou Bond-girl. Fica dada a sugestão..Ozon de novo a não desiludir.Quand Vient L'Automne, é bom estar no campo com Ozon e as suas velhinhas..Mas do melhor visto na luta para a Concha de Ouro está o novo de François Ozon, Quand Vient L’Automne, a história de amizade de duas senhoras da França campestre com problemas com os seus filhos únicos. Ozon a filmar a terceira idade sem lugares comuns e com uma sabedoria prática. É um filme cheio de elipses que se revelam reviravoltas narrativas e uma atriz a iluminar tudo: Hélène Vincent, grande dama dos palcos franceses, finalmente com um papel de protagonista. Foi recebido com uma ovação estrondosa, provando que o cinema de Ozon consegue ter sempre uma amplitude de entretenimento fulgurante..E quando o diretor de Cannes é realizador....Fora de competição, a sequela de Lumière!, de Thierry Frémaux, que agora pega em mais filmes dos irmãos Lumière e faz uma récita chamada Lumière: L’Aventure Continue, tese sobre como a verdade é a matéria do cinema. Sai-se da sala a perceber que o cinema, o verdadeiro cinema, só pode vir da verdade. E há uma surpresa no fim com Francis Ford Coppola. Para ver de coração na boca, bem superior ao primeiro!.Em San Sebastián