As más línguas gostam de enfatizar que este é o festival do refugo dos filmes que não entraram em Veneza e Cannes e que as sessões estão cheias apenas de reformados idosos. Mas quem esteve neste último terço do festival viu uma obra-prima, Tardes de Soledad, de Albert Serra, co-produzido pelo realizador e produtor português Joaquim Sapinho, e um grande filme de um dos mais idosos cineasta em atividade: Le Dernier Souffle (já comprado para Portugal), de Costa-Gavras..A cartada portuguesa.Já lá vamos, mas numa altura em que aqui já só falam de favoritos, são muitos os que colocam Joana Santos de On Falling, de Laura Carreira, como favorita a melhor atriz no Palmarés anunciado amanhã. Joana é portentosa numa alheamento discreto - a sua emprega de armazém de vendas na Escócia é um espelho de como o trabalho industrial nos destrói. O filme, esse, é também dos mais consensuais na competição..A indómita provocação de Serra.Voltando a Albert Serra, o seu Tardes de Soledad é o filme maldito do festival. Um documento conceptual que se torna numa experiência sideral onde há um toureiro e vários touros em diversas arenas entre a Espanha e o Peru. Em Tardes de Soledad o catalão Albert Serra não está a documentar os bastidores da arte tauromáquica nem a fazer um panfleto em prol da indústria dos touros. Está sim a registar o risco do famoso toureiro Andrés Roca Rey. Fá-lo com uma câmara que durante três anos o seguiu antes, durante e depois das faenas. Uma câmara capaz dos mais engenhosos truques de zoom: ao ponto de sentirmos o olhar do touro, a respiração do toureiro. Homem e animal num confronto tão primitivo como ancestral. Quem escreve estas linhas é alérgico à tauromaquia mas ficou preso a estas imagens absorventes, onde a morte está sempre presente e em que se sente uma possibilidade dos meios cinematográficos encetarem uma instalação emocional..Por muito que Serra tenha dito aqui em San Sebastián que é fascinado por este espetáculo de arena, há momentos em que a masculinidade tonta destes homens que rodeiam o toureiro super-star parece gags de comédia. Além disso, os close-ups do olhar do touro na sua execução final são tudo menos cartão promocional das touradas. Sequências que na sessão oficial levaram muitos e muitas a abandonar a sala. Não será então um filme fácil, mas é de certeza cinema maior. Uma balada trágica e triste com sangue oculto que ainda não tem distribuição em Portugal, bem ao contrário do outro filme estupendo desta competição, Le Dernier Souffle, onde Costa-Gavras leva-nos ao interior de uma ala de cuidados paliativos de um hospital de Paris. Um drama que recusa ser dramalhão, capaz de estabelecer uma reflexão sobre a morte e a forma como a aceitamos. .De quem é a vida, afinal?.Kad Merad, um médico especialista em cuidados paliativos, decide ajudar um famoso filósofo, Daniel Podalydès, a escrever um livro sobre a liberdade do paciente na hora da morte. Uma ajuda que consiste em deixá-lo ver de perto o seu dia-a-dia, em especial o contacto com aqueles que pretendem ter qualidade na hora de morte..Apesar de ser um filme sobre a morte, é da vida que aqui se fala. Costa-Gavras a ser suave num discurso que nunca é panfletário no que toca à defesa da eutanásia, em especial porque os diálogos são de uma clareza abissal. Este último sopro está do lado da filosofia terapêutica e faz política contra uma medicina que ainda não terá compreendido as questões mais básicas de quem está num estado terminal. “Viver a morte” alguém diz aqui. Diremos que Costa-Gavras mostra-nos que há que lutar para não termos a morte roubada. Muito, muito comovente. .CINEMA PARA FOODIES.Northern Food Story teve uma refeição inspirada nas suas iguarias..A secção mais concorrida deste festival à beira-mar plantado não é a oficial. Chama-se Culinary Zinema e mistura filmes e jantares na escola basca de gastronomia. Esgota em minutos no final de agosto, mesmo quando cada ingresso custa 90 euros. .Alguma da imprensa presente foi convidada a estar presente na gala de Northern Food Story, de Tetsuya Uesugi, uma viagem por quatro restaurantes de cozinha tradicional da zona de Hokkaido, no norte do Japão. Um documentário que é um testamento da forma como a gastronomia primitiva é vista como um valor identitário. Dois dos chefs japoneses vieram a San Sebastián para preparar um menu que teve saké, ostras quentes e uma sopa que misturava produtos de Hokkaido com ingredientes bascos. No final, a produtora do filme anunciava em primeira mão uma vontade de parceria com um novo festival cine-gastronómico em Sapporo e o Culinary Zinema. Esta fusão entre cinema e tentações gourmet fica bem na cidade de todas as estrelas Michelin..Em San Sebastián