Elida Almeida: "Sei de onde vim e onde quero chegar"

A cantora cabo-verdiana está de regresso com Di Lonji, um álbum dedicado às suas origens na remota aldeia de Matinho, na ilha de Santiago, que no próximo mês apresenta ao vivo em Lisboa.

Foi há pouco tempo, a primeira vez que Elida Almeida cantou na aldeia onde nasceu, aquando da inauguração de uma estrada asfaltada que finalmente ligou Matinho ao mundo. "Quem não é de lá não tem noção, mas foi uma grande conquista, que mudou a vida de toda a gente. Por isso fiz questão de estar presente, para cantar num momento tão especial para aquelas pessoas, para quem continuo a ser apenas a Daisy, que é como me chamam lá", afirma ao DN, uma das maiores vozes da atualidade na música cabo-verdiana e considerada por muitos, aos 29 anos, a figura de proa da nova geração musical do país.

"Os meus conterrâneos têm muito orgulho em mim, de me verem na televisão, mesmo sem terem a verdadeira noção do que já conquistei. Tornei-me na princesa deles, mas ao mesmo tempo continuo a mesma Daisy de sempre", reconhece a artista, que dedica este quarto trabalho de originais precisamente às suas origens, à aldeia onde nasceu e às pessoas com quem cresceu. "O local de onde vim influenciou tudo aquilo que sou hoje. Quem nasceu em berço de ouro e não comeu arroz com feijão em criança pode até nem dar valor, mas também não tem tanta bagagem como alguém que nasceu longe de tudo e tem de lutar muito para conseguir um lugar ao sol", recorda.

Reconhecida pela maturidade e talento, tanto ao nível da escrita como da interpretação, Elida Almeida deu-se a conhecer em 2014, quando foi descoberta num bar da cidade da Praia pelo produtor José da Silva - também responsável por apresentar Cesária Évora ao mundo. Talvez por isso, são cada vez mais as vozes que a comparam à rainha da morna. "Cesária? É uma honra, mas o que eu quero é ser também um marco. Há uma geração antes e pós Cesária, ela é um marco na música de Cabo Verde e do mundo. E eu quero sê-lo também, como alguém que trouxe novidade e marcou a sua geração", assume. Quanto à colaboração com José da Silva, não faz a coisa por menos: "Devo-lhe tudo o que sei e o que sou. Sempre me disseram que era uma pessoa especial e a verdade é que só consegui dar o salto com ele. Tremia quando o conheci, mas desde esse dia que passou a ser o meu braço-direito, pois é para mim um privilégio poder beber dessa fonte".

Oito anos depois da estreia, a cantora faz agora o balanço de todo este seu percurso sob a forma de um álbum muito pessoal, Di Lonji, que em criolo quer dizer "de longe". Um titulo "nada inocente", que resume, tanto literal como metaforicamente, o caminho que teve de percorrer para concretizar os seus sonhos, quebrando todas as barreiras. O disco representa assim essa intensa e persistente caminhada, mas também todos os obstáculos ultrapassados para vencer estereótipos que se perpetuam até hoje.

"Venho de um país que, há algumas décadas, quase nem aparecia no mapa. De uma aldeia do interior da ilha de Santiago, tão profunda e tão remota, que a maioria dos seus habitantes nunca sai de lá. Nestes últimos anos visitei cerca de 50 países, ganhei muitos prémios e divulguei as minhas canções pelos quatro continentes. Sinto-me grata e abençoada, porque sei que há muita gente a lutar por um lugar ao sol", explica Elid, acrescentando: "Se cada álbum tem o seu significado, nos determinados momentos da carreira de um artista, este põe mais em evidência o lugar de onde venho, porque Matinho é um local muito distante do sítio onde tudo acontece em Cabo Verde, que é a cidade da Praia. Ou seja, é sobre o local de onde vim mas também sobre onde ainda quero chegar. E nesse sentido é um álbum diferente de todos os que já fiz, não é melhor nem pior".

Garante que só conseguiu ter toda a bagagem necessária para chegar à cidade da praia, devido às pessoas que desde sempre a apoiaram e incentivaram, em especial as mulheres da sua família. "Sou uma pessoa abençoada, cresci rodeada de rainhas e elas estão presentes em tudo o que faço. A minha mãe e minha tia, a minha avó materna, de quem tenho muitas lembranças, da sua força, quando íamos à lenha, mas especialmente da minha avó Sabina, a mãe do meu pai, que me ensinou muito do que é ser mulher e é hoje, com 93 anos, a minha maior fã". É a elas, às avós, que é dedicado o tema Dondona, lançado como segundo single de antecipação de um álbum em que a tradição musical de Cabo-Verde se mescla com sonoridades das mais diversas latitudes. "Sempre juntei Cabo Verde ao mundo, porque fazer música é isso mesmo, um resumo de tudo aquilo que ouvimos misturado com a nossa própria genética", o que no caso de Elida quer dizer funaná, batuque e tabanca. "Costumo até dizer que sou neta dos Bulimundo, é uma pena que o mundo não os conheça como mereciam", reconhece a artista, que neste disco até faz uma versão de Dimingu Denxo, dos Bulimundo.

Nunca oiço muito os meus discos, mas este está perfeito e ainda não parei de o ouvir", diz com humor. "Tive dois produtores muito fora da caixa e isso sente-se no disco, que é mais dançante e festivo, com uma metade muito orgânica e outra mais eletrónica", como o publico por português terá oportunidade de comprovar já no próximo mês de março, a 25, quando Elida se apresentar ao vivo no Capitólio, em Lisboa. "Vai ser um concerto muito especial, com um alinhamento de temas novos e antigos, que já estou a preparar com o Hernani Almeida e no qual vamos contar com alguns convidados, venham que vai ser muito bom", promete.

dnot@dn.pt

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