O documentário é narrado com voz em português do Brasil e legendas em inglês.
O documentário é narrado com voz em português do Brasil e legendas em inglês.

Documentário sobre Gisberta estreia no Festival SXSW

Objetivo é que a produção seja uma ferramenta de aprendizagem sobre inclusão, tolerância e igualdade. O realizador português Sérgio Galvão Roxo conseguiu levar a obra a um dos maiores festivais do mundo.
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"Nascida a 5 de setembro de 1961, Gisberta Salce, ou Gis, era a caçula da família, tinha pele mimosa e muito branquinha.” Assim começa o documentário Seu Nome Era Gisberta: Uma história sem rosto, apresentado no Festival SWSX, que ocorre no estado do Texas até terça-feira (12). A produção e realização da obra selecionada no evento é de Sérgio Galvão Roxo.

Em entrevista ao DN, o realizador confessa estar muito contente com a conquista, que é ainda mais importante pelo contexto vivido nos Estados Unidos. “O país está a ter um retrocesso enorme no que toca aos direitos das pessoas trans, coisas que já eram quase adquiridas, um assunto que é politizado e não deve ser. Estamos a falar de Direitos Humanos, direitos à sobrevivência, direitos à vivência, direitos à saúde, direitos ao trabalho, estamos a falar de Direitos Humanos, não estamos a falar de opiniões políticas”, argumenta.


O português viajou até ao Texas para acompanhar o festival. Apesar de a viagem já estar nos planos, Sérgio recebeu na semana passada um apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian para a deslocação. A participação também representa uma conquista para o realizador, que custeou sozinho toda a produção do documentário.


No SWSX, Seu Nome Era Gisberta: Uma história sem rosto, vai estar lado a lado com produções feitas em diversos sítios do mundo com grandes orçamentos.
Ainda segundo Sérgio, estar no festival também ajuda a dar notoriedade ao documentário para que seja apresentado em outros espaços, que é o grande objetivo do realizador: levar a história para quem precisa aprender sobre empatia e humanidade. “Não é um caminho de autopromoção, é um caminho para elevar a ideia do projeto educacional a mais sítios, de literatura cívica e ferramenta educativa”, explica.


O filme, com duração de 30 minutos e feito em realidade virtual, conta a história da brasileira Gisberta Salce, assassinada em 2006 na cidade do Porto. Gisberta foi vítima de tortura e violação durante dias e o crime abriu o debate sobre transfobia em Portugal. “Todo este projeto é humanizar a história da Gisberta, é humanizar a sua memória e  humanizar as vivências de pessoas trans”, relata.


Diferente de outras produções, a história mostra quem a imigrante realmente era. “Nós sabemos o início da vida dela e sabemos que ela veio do Brasil. Sabemos quem é esta pessoa no início. Sabemos como é que ela morreu. A história conta o que aconteceu entre o início e o fim”, diz. O filme mostra, por exemplo, que Gisberta adorava e os dois cães que tinha, era exímia dançarina, sempre afetuosa com os amigos e tinha profundo conhecimento da atualidade e cultura.

Sérgio Galvão Roxo também optou por não mostrar a violência na produção. “Para mim foi importante não ter as violências explícitas porque não precisamos continuar a perpetuar essa figura. Esta mulher já é uma mulher trans, já foi rotulada com todas as outras ausências de privilégios e discriminações sociais que existem, como ser sem-abrigo ou seropositiva”, ressalta.

A delicada voz que narra toda a história é da brasileira Alexia Vitória, de 49 anos, uma mulher trans que trabalha como locutora e atriz de voz. Ao DN, relata que a experiência foi desafiadora, por causa da densidade dos acontecimentos. “Em vários momentos precisei interromper as gravações porque era acometida de crises de choro, por tristeza, pena e revolta pelo que fizeram com Gisberta e também sobre a decisão judicial portuguesa”, conta.

A produção  é ainda uma homenagem à memória de todas as mulheres trans assassinadas e vítimas de transfobia e um espaço de representatividade, especialmente pessoas trans brasileiras.

Proposta do documentário é humanizar Gisberta e todas as mulheres trans.

Assistir à produção em Portugal

O documentário ainda não está aberto a todo o público.  O realizador explica que muitos festivais aceitam apenas produções inéditas. No entanto, está nos planos divulgar amplamente a produção em Portugal, especialmente nas escolas.

“Continuamos a falar com os alunos, tentar mostrar algumas coisas, e estão a dar-se alguns avanços, mas ainda não foi possível realmente definir ou detalhar mesmo a intenção de levar às escolas, porque  também sei que é um assunto difícil e que neste momento é controverso”, define.

Por fim, o realizador e produtor aposta na empatia como uma maneira de combater a transfobia e o próprio desconhecimento sobre o tema: “E este é o meu objetivo, tentar criar este clique, esta dissonância cognitiva que as pessoas têm. De transformar uma figura trans.  E fazê-las pensar:  ‘Espera, esta é uma pessoa’.”

amanda.lima@globalmediagroup.pt

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