O plano de abertura de No Interior do Casulo Amarelo é como um simples ato de ilusionismo: vemos a retaguarda de um campo de futebol, a câmara parece centrar-se no “assunto” que é um rapaz a fazer aquecimento ao lado da baliza, mas pouco depois começa a seguir o homem vestido com um fato de lobo, que será a mascote de uma das equipas, até chegar a uma zona de restauração ao ar livre, paredes-meias com o campo, onde essa figura perde protagonismo para uma conversa de fundo sobre vida eterna e saídas da cidade para a montanha... Não é logo muito claro que se identifique quem está a falar. E só perceberemos mais tarde que aquele diálogo entre três amigos no meio de um ambiente repleto de distrações - desde o Campeonato Mundial a passar na televisão à menina que publicita uma nova marca de cerveja - tem um eco específico naquilo que vai ser o filme.Primeira longa-metragem do vietnamita Thien An Pham, vencedor da Caméra d’Or no Festival de Cannes, esta é uma obra que prende a nossa atenção desde o início, através do tal jogo de perspetiva (é o espectador que decide o seu foco), mas também pela via de uma leitura imperturbável da realidade. Basta dizer que a sequência descrita termina com o som de um acidente na estrada, sem que a câmara acuse grande agitação..Sim, o momento chegará em que se define um protagonista: Thien, um dos jovens da conversa no ambiente barulhento de Saigão, recebe a notícia da morte da cunhada e fica responsável pelo sobrinho pequeno, com quem segue para a sua aldeia de infância, onde é organizado o funeral, e onde este homem acabará por mergulhar em memórias e sonhos, enquanto tenta ainda localizar o seu irmão, que abandonou a falecida mulher.Por vezes sem separar claramente o que é do domínio da realidade e o que é do domínio onírico, Thien An Pham aconchega-nos na jornada-casulo (de fora para dentro) de uma personagem que está prestes a sofrer uma qualquer metamorfose. Será como a transformação de George Bailey (James Stewart) em Do Céu Caiu Uma Estrela, o clássico de Frank Capra citado aqui como “um daqueles filmes que já não se fazem”? À sua maneira, sim; por caminhos mais misteriosos.Diante da contemplação de No Interior do Casulo Amarelo, é quase inevitável evocar um Apichatpong Weerasethakul ou um Tsai Ming-liang, e recorrer à bengala do slow cinema, para “dar uma ideia” do que se trata. Mas vale a pena também reforçar que o filme de Thien An Pham não se fica pelo rótulo. Estamos na presença de um novo cineasta que filma com a paciência de um pintor à procura da tonalidade certa, a fim de trazer à vertigem do olhar um estado de alma tão prolongado quanto passageiro. É um projeto de lentidão que insiste em resgatar um ritmo perdido - a atual “cultura” dos filmes longos não corresponde necessariamente a um princípio de respiração lenta -, e uma crença na unidade do plano que, por sua vez, se sente na confiança dos movimentos vagarosos. Ninguém disse que a transcendência se dá num estalar de dedos, ou com pompa e circunstância. A duração de um plano pode conter o segredo de um cosmos interior: eis o espetáculo da serenidade.