Cleonice Berardinelli - voz da literatura portuguesa no Brasil

A escritora e professora publicou obras sobre Pessoa, Luís de Camões e Gil Vicente. Morreu aos 106 anos.

A escritora brasileira Cleonice Berardinelli, considerada uma das maiores especialistas mundiais em literatura portuguesa, morreu na terça-feira, dia 31, aos 106 anos, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, vítima de insuficiência respiratória.

Cleonice Serôa da Motta Berardinelli, nascida no Rio de Janeiro a 28 de agosto de 1916, foi autora de obras como Antologia do Teatro de Gil Vicente, de 1971, Fernando Pessoa, Obras em Prosa, de 1975, e Sonetos de Camões, de 1980. É dela, em 1958, a primeira tese sobre Pessoa no Brasil e a segunda no mundo. "De todos os lusitanistas, que tanto contribuem para manter viva a cultura portuguesa no mundo, os brasileiros merecem menção especial, dada a nossa história antiga e a nossa língua comum. E de entre os estudiosos brasileiros da literatura portuguesa, Cleonice Berardinelli tinha um lugar destacadíssimo", escreveu Marcelo Rebelo de Sousa no site da presidência da República.

Ocupante da oitava cadeira da Academia Brasileira de Letras, e integrante atual mais longeva da organização, foi homenageada no cinema no documentário O Vento Lá Fora, onde apareceu com Maria Bethânia a ler Pessoa a uma plateia de convidados, e em Cleo, onde recitou poemas de cor.

Com longa carreira docente, licenciou-se em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, doutorou-se em Letras Clássicas e Vernáculas pela Faculdade Nacional de Filosofia na Universidade do Brasil e foi livre-docente de Literatura Portuguesa na Faculdade Nacional de Filosofia, além de ser professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica, do Rio, e dado aulas na Universidade Católica de Petrópolis, no Instituto Rio Branco e, como professora convidada, nas universidades da Califórnia e de Lisboa.

Como o pai, oficial do exército, era obrigado a mudar-se com frequência, estudou e trabalhou entre o Rio e São Paulo. No Instituto Nacional de Música, no Rio, fez todos os cursos teóricos e diplomou-se sob a orientação do maestro Oscar Lorenzo Fernández, seu professor de piano. Em São Paulo, concluiu o curso secundário e fez, na Universidade de São Paulo, o curso de letras neolatinas, onde foi assistente de Fidelino de Figueiredo. No Rio conheceu o professor da mesma disciplina na Universidade do Brasil, Thiers Martins Moreira, que lhe fez o mesmo convite e a ajudou a definir o seu caminho.

O jornal O Globo republicou crónica do escritor Zuenir Ventura, de 2015, em homenagem ao ano do centenário da "divina Cleo". "Venerada por seus discípulos, era conhecida na minha turma do curso de Letras Neolatinas, da antiga Faculdade Nacional de Filosofia, como "a divina Cleo"", escreveu.

"Ela era a nossa musa, paixão platónica e inconfessável, aliás, até hoje. A voz cristalina e segura de quem na juventude interpretara no palco peças do quinhentista Gil Vicente, seu charme e a capacidade de seduzir a plateia eram a demonstração de como a inteligência podia ser alegre, e a erudição, agradável. Graças à bela e querida mestra, descobri Pessoa e passei a entender Os Lusíadas - eu e centenas de discípulos de várias gerações".

Em 2014, aos 98 anos, recebeu o Prémio Faz Diferença na categoria Prosa das mãos do discípulo Zuenir Ventura. Em Portugal, foi-lhe atribuída em 1966 a comenda da Ordem do infante D. Henrique e, em 2016, a Grã-Cruz da mesma ordem. Em 1987, recebera também a comenda da Ordem Militar de Santiago da Espada, elevada, em 2006, a Grã-Cruz.

dnot@dn.pt

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG