“Chego e vejo em Lisboa as ruas pintadas com palavras de ordem. Achei lindo. E fotografei”
Contou numa entrevista ao El País que Felipe González lhe disse que a política não era para si, para se dedicar antes à fotografia. Sente que fez bem em seguir esse conselho do socialista que viria a ser eleito quatro vezes primeiro-ministro espanhol?
Sim, para mim foi o conselho mais significativo e importante. Eu não sabia que a política realmente exige que se tenha um corpo muito duro. Que os políticos estão acostumados a tentar ver tudo o que acontece, de onde vem o punhal, aqueles que te atacam por trás e aqueles que te atacam pela frente. Eu não era bom para isso. E Felipe percebeu [risos].
Na militância clandestina no PSOE, antes da morte de Franco em 1975, começou como fotógrafo, mas então um fotógrafo ativista político?
Completamente. Eu era um ativista político e ao mesmo tempo fazia fotografia. Aliás, liderei a direção fotográfica do El Socialista.
Um jornal clandestino do PSOE?
Sim, o jornal do PSOE. El Socialista era o órgão, digamos, do PSOE. E eu era um fotógrafo. Mas o problema é que eu me importava muito mais com o que estava a acontecer na sociedade do que com a própria política. E quando Felipe percebeu isso, disse-me “vai, vai”.
Nesta exposição tem fotos tanto da transição em Espanha como da revolução em Portugal. Transição e revolução são palavras que só por si mostram que houve uma diferença significativa na forma de os países ibéricos alcançarem a democracia. Quando em Espanha, a 25 de abril de 1974, soube da Revolução dos Cravos, o que sentiu?
Uma emoção tremenda, porque estávamos tão próximos. Finalmente compreendi que a Península Ibérica existia. E disse: este é o esporão para que possamos mudar a Espanha.
Pensou logo que os acontecimentos em Portugal poderiam ter influência em Espanha?
Claro. Achámos que iriam magnetizar a Espanha. E acreditámos nisso durante meses, mas depois vimos que tudo era mais lento, muito mais lento, do que queríamos. Porque aqui houve uma revolução. No nosso caso houve uma transição.
Mas o regime de Franco foi ou não um pouco abalado pela revolução portuguesa?
Sim foi, mas o regime de Franco no último período impôs-se de forma violenta. Viu-se o pior do regime de Franco. É a morte do cisne, que quer matar o que está ao seu redor.
Portanto, não sentiu nenhum ganho imediato de liberdade na Espanha pelo que acontecia em Portugal?
Não. Tornou-se depois até terrível para nós. Porque a polícia veio contra nós de uma forma muito dura.
Tem nesta exposição imagens dos muros em Portugal cobertos de propaganda política. Também fotografou comícios, como um do Partido Comunista. Como foi para si, pela primeira vez, fotografar uma expressão política esquerdista em ambiente de total liberdade?
Chego aqui e vejo todas as ruas pintadas, todos os monumentos pintados, com palavras de ordem. E muitos cartazes. Achei que era lindo. E fotografei. Fui a um comício de Álvaro Cunhal e pus o punho no ar, eu que nunca fui comunista.
Uma componente importante desta sua exposição no Instituto Cervantes de Lisboa são as fotos de escritores que se comprometeram com a democracia. Espanhóis, como Jorge Semprún, latino-americanos como Octavio Paz e Gabriel García Márquez, mas também o português José Saramago. Esses escritores já os fotografou enquanto repórter do El País?
Sim. Mas alguns deles também antes. O El País nasceu em 1976, já depois da morte de Franco.
Foi fotógrafo, acima de tudo, de política, pois mesmo estes escritores aqui têm uma forte marca política?
Os fotógrafos faziam tudo. Desporto, sociedade, política. Mas o que eu gostava era de retratos e de política. Foi disso que sempre gostei. Na verdade, todos os fotógrafos queriam ser Helmut Newton. Eu também. Mas não me calhou [risos].
Dos escritores aqui retratados, lidou com algum pessoalmente, por exemplo, com Semprún, com maior profundidade?
Sim, porque Juan Luis Cebrián, o diretor do El País, me mandou fotografar Semprún, porque achou que eu tinha uma afinidade maior para poder falar com ele. Ele tinha acabado de assumir um cargo num dos governos de Felipe, tinha sido nomeado ministro da Cultura em 1988 e eu fui fazer uma foto no escritório dele, e lá conversamos muito, muito tempo.
E também teve contacto com os mexicanos Carlos Fuentes e Octavio Paz?
Sim, pelo El País. Fotografei-os para o El País.
Ser fotógrafo de um grande jornal dá acesso a muita gente. No caso do El País, não só em Espanha, mas nos países de língua espanhola…
Claro, os meios que podia ter com o El País, nunca poderia ter sozinho. Viajávamos muito naquela época. Essa época do jornalismo foi linda e brilhante, talvez muito mais interessante do que agora. Antes estávamos em muitos lugares e tínhamos um código de identidade. Conversávamos, muitas vezes longamente, e as nossas fotos falavam de um código de identidade. Hoje isso é muito mais difícil.
No caso de Saramago, quando se conheceram?
Bom, foi em 1993 ou 1994, através de Pilar del Río, andaluza como eu, e também jornalista. Já estavam juntos, já eram um casal. E eu dava-me muito bem com eles. No início, tirei algumas fotos dele nas margens do Guadalquivir. E lembro-me que ele me disse algo muito forte. Disse-me “vocês, fotógrafos, são cegos, os únicos cegos que tiram fotos, mas continuam a ser cegos”. Quando li mais tarde o Ensaio sobre a cegueira, vi uma ligação com essa ideia.
Na tal entrevista ao seu antigo jornal, no ano passado, a propósito da sua antologia Fotografia y Palabra, em que fala até da sua mulher, Isabel Pozuelo, que foi deputada socialista, e se destacou, entre outras coisas, pelas leis contra o fumo, refere a sua experiência de fumador de charutos. Sei que teve uma experiência complicada de fumador um dia num encontro com o então primeiro-ministro português Vasco Gonçalves. Pode contar?
Sim. Bem, o problema é que a minha mulher foi a catalisadora da questão do tabaco em Espanha. E eu fumo charuto. Não podia às vezes ir com ela porque fumava charuto [risos]. Uns anos antes, numa reunião em Lisboa, no palácio de São Bento, com Vasco Gonçalves, houve um episódio curioso. Vim com Manolo Chávez, que depois foi presidente da Junta da Andaluzia. Havia representantes de todos os grupos políticos de esquerda espanhóis. Entre eles, a ETA. A ETA Político-militar e militar. Eles estavam lá. E mexeram connosco, com os socialistas. E eu fiquei com muita raiva porque tínhamos ali um encontro muito negativo, muito difícil. E carregava no charuto. Na época fumava-se em todo o lado. Eu carregava no charuto e a cinza do charuto caiu em brasa e ficou presa num tapete. A fumaça começou a formar-se. Todos pensaram que algo estava a acontecer. Mas pisei a cinza e apaguei o pequeno fogo [risos].
Uma última pergunta. Quando olhamos para a Espanha hoje, falamos de um país dividido, dividido entre esquerda e direita, além do desafio dos separatismos. Confia na força da democracia espanhola para resolver estes problemas? Uma democracia resultado dessa transição que de alguma forma começa em finais de 1975 com a morte de Francisco Franco, depois tem eleições livres e aprovação de uma nova Constituição, e por fim em 1982, o PSOE de Felipe González chega ao governo.
A democracia é a chave para resolver essa divisão. Mas é claro que não gosto dos frentismos que existem no meu país neste momento. É lamentável.
Está a criticar tanto a esquerda como a direita?
Sim. Eu critico ambas. Perdemos a centralidade. O sentido do centro político, que não é um sentido de direita ou de esquerda, mas de centralidade...
Fala da capacidade de assumir compromissos?
Claro, sobre compromissos, sobre ser capaz de realizar coisas. Estamos numa luta suburbana, suburbana, muito ruim, muito feia. Odeio.