A história deste documentário começa com um passeio de cães num bairro de Lisboa. “O Pedro, meu sócio, que codirigiu este filme comigo, estava a passear o seu cão pela Ajuda, onde ele morava e o Benvindo mora até hoje. E o Benvindo também estava a passear o cão dele, o Joshua, sempre muito elegante, muito exuberante, e isso chamou a atenção do Pedro. E os cães aproximaram-se, e isso, obviamente, aproximou os donos”, conta Felipe Cantieri, um dos realizadores, juntamente com Pedro Pirim, do Benvindo....a Vida, um documentário que esta sexta-feira estreia em sala no Auditório Fernando Lopes-Graça, em Almada. A produção é da Voz Futura, uma plataforma de Danilo Luiz, o defesa do Flamengo que jogou em vários clubes europeus, entre os quais o FC Porto, e que andava à procura de histórias inspiradoras para contar. E a vida do bailarino e coreógrafo Benvindo Fonseca não só dava um filme como até já deu. Em 2021 estreou-se Cidade Lúcida, uma película do cineasta alemão Adrian Stölzle precisamente sobre a história do bailarino moçambicano, que veio para Portugal aos 13 anos, começou a dançar ballet aos 16, tornou-se primeiro bailarino do prestigiado (e já extinto) Ballet Gulbenkian, no auge da carreira sofreu uma lesão que o retirou dos palcos e, depois de um período negro de depressão e dependência, renasceu como coreógrafo. O que traz então de novo este documentário?Para Benvindo Fonseca, a diferença “tem a ver com a sensibilidade, tanto do Filipe, como do Pedro. Porque há ali um lado de querer fazer para o outro. E a coisa é despojada de egos, da parte deles. Aquilo é uma dádiva. E de tal maneira é dádiva que ninguém lhe fica indiferente”, diz o coreógrafo ao DN. “Qualquer um dos dois, o Adrian também, fizeram algo para mim. Mas neste caso eu senti que era mesmo um presente. No caso do Adrian, senti que era uma plataforma também para ele. Ele estava a fazer uma coisa sobre mim e era uma maneira também de ele se apresentar”. . Felipe Cantieri acrescenta que Benvindo...a Vida “é muito mais documental. É mais sobre a carreira do Benvindo. Quem foi o Benvindo? Eu acho que o filme Cidade Lúcida é uma visão mais poética, um pouco mais romântica”.A Voz Futura, explica, é uma plataforma que foi idealizada por Danilo Luiz na altura da pandemia de covid-19 para trazer alguma esperança em tempos difíceis, dando visibilidade a pessoas e projetos com impacto positivo na sociedade. “Queríamos que outras pessoas pudessem ver esta história e inspirar-se também de certa forma. A arte diz muito. E a arte salva também. O Benvindo é prova viva disso”, diz Cantieri. Ao longo da cerca de hora e meia de documentário, Benvindo Fonseca fala sobre os momentos marcantes da sua vida e há testemunhos de Ana Lacerda, Paulo Seaquist, Vasco Wellenkamp, Zia Soares, Pedro Miranda e Ana Rosmaninho. É possível ver também excertos dos bailados em que Benvindo Fonseca participou. São imagens da RTP e gravações que o próprio bailarino tinha em VHS e que este projeto, que demorou um ano a produzir, permitiu digitalizar e organizar. E que o coreógrafo muito agradece.Sobre a lesão que pôs termo à sua vida de bailarino e o atirou para uma espiral negativa, vê-a agora, quase 30 anos passados, com outros olhos. “Completamente. É engraçado como às vezes... Isto é mesmo um lugar comum, mas diz-se que os acidentes são lições. Quando estamos no momento, nós é que sabemos, mas depois... Acredite, eu não trocava nada. Eu morri e renasci. E cresci tanto, em todos os sentidos. Como pessoa, como humano, com empatia. O ego amansou ”. Benvindo Fonseca reinventou-se como coreógrafo mantendo assim ligação à dança onde se sente “completo” e continuando os seus movimentos nos corpos de outros. “Coreografias eu tento fazer uma ou duas por ano, se forem de 20 minutos. Se forem de uma noite inteira, uma por ano. Porque eu gosto de fazer seis meses de pesquisa, com tempo. Para experimentar. E um bocadinho por todo o mundo, não só em Portugal. Vou muito à Alemanha, ao México, a Espanha. Agora estive na China”. Portugal tem excelentes bailarinos, considera, e vão todos para fora por não haver em Portugal companhias que os consigam segurar. Marcelino Sambé, bailarino principal do The Royal Ballet de Londres, e António Casalinho, bailarino principal da Bayerisch StaatsBallett de Munique, são dois deles. “Vejo-os com muita admiração e com muito carinho. Eles sabem que se precisarem, estou cá. Acima de tudo assisto”. Com o lançamento deste documentário, Benvindo Fonseca entra numa espécie de tournée. O coreógrafo marcará presença nas várias salas do país onde o filme será exibido. Estará esta sexta-feira em Almada e, no sábado, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. Na próxima semana rumará a Norte. “Sempre em sítios muito especiais e intimistas. Vamos à Casa Mateus, ao Museu Soares dos Reis, a sítios assim. E quando se vai para um museu as pessoas predispõem-se a olhar , porque vão ver preciosidades. Aqui esperemos que possam assistir a uma preciosidade que é a vida de alguém em que se vão refletir”. .JR: "Como artistas temos o direito de levantar questões, esse é o poder da arte"