Bee Gees – de crianças problemáticas a estrelas mundiais
Um dos mais famosos grupos da música pop mundial, os Bee Gees deixaram uma marca indelével com o estrondoso sucesso da banda sonora do filme Saturday Night Fever (John Badham, 1977), o qual perdurou até ao declínio da música ‘disco’, pouco depois. No entanto, já no final da década anterior tinham alcançado grande popularidade com êxitos como Words (1967), I started a joke (1968), ou a deliciosa First of May (1969), entre muitas outras canções memoráveis.
Infância
Filhos de pai baterista e mãe vocalista (enquanto solteira) de uma banda de baile, os três irmãos Gibb – Barry (1946), Maurice e Robin (1949) – desde tenra idade estavam habituados a cantar juntos e a vozes. O mais velho tem reiteradamente afirmado que, apenas com 8 ou 9 anos, dizia que queria ser uma estrela pop. Os gémeos respondiam que também queriam, ao que ele assegurava que poderiam fazê-lo juntos. E assim foi, durante a vida toda.
O primeiro palco foi o de um concurso de talentos, em 1957, num cinema de bairro. No intervalo dos filmes infantis os concorrentes tinham de fingir cantar, sincronizados com o som de um disco que os próprios levavam. No dia em que os turbulentos irmãos se iam apresentar, no meio da excitação deixaram cair o álbum, que se desfez em pedaços. Como Barry levava a guitarra para dar mais credibilidade ao seu playback, acabaram por fazer uma inesperada exibição ao vivo, pela primeira vez em público.
Mas entretanto não se poupavam nas tropelias e parece que não davam tréguas às autoridades – por fogo posto, assaltos e furtos – pelo que a progenitora recebia frequentes queixas. A coisa chegou a tal ponto que a polícia avisou a família Gibb de que se houvesse reincidência, os delinquentes seriam retirados aos pais e enviados para uma casa de correção. Por essa razão ou outra, o certo é que em 1958 o casal resolveu emigrar para a Austrália com os cinco filhos – a primogénita, Lesley, um ano mais velha que Barry, e Andy, um bebé de poucos meses – procurando novas oportunidades para todos.
Adolescência na Austrália
Aqui teve realmente início a carreira musical dos Bee Gees, quase se pode dizer que logo na viagem por mar até à nova pátria. Consta que o trio de 8 e 11 anos era apanhado a cantar a vozes em pijama, à noite, depois da hora do recolher para os da sua idade. Os pais pouco podiam fazer, o sucesso estava a nascer, com pequenos grupos de passageiros deliciados, amontoados num corredor para ouvir o fenómeno. E o fenómeno era, principalmente, as vozes infantis tão afinadas e harmonizando tão bem: inicialmente a cantar os grandes sucessos discográficos da época, mas muito em breve também canções originais do adolescente Barry.
No ano seguinte as coisas tomaram um rumo inesperado. Barry vendia refrigerantes à entrada do autódromo, nos dias de corridas, para ganhar uns trocos, lembrando-se um dia de trazer os irmãos gémeos para juntos entreterem o público cantando nos intervalos. O sucesso foi tal que o proprietário, Bill Goode, os autorizou a cantar lá dentro e receber dinheiro pelas atuações – difundidas pelos altifalantes do recinto – juntando, logo à primeira, mais do que o salário semanal do seu próprio pai. Goode ficou tão encantado com eles que desafiou o radialista Bill Gates para os ouvir e dar uma opinião, planeando já contratá-los.
Estes dois adultos, cujas iniciais coincidiam com as do irmão mais velho e porta-voz, associaram-se para gerir a carreira artística dos rapazes, designando o trio como BGs – também dava para Brothers (irmãos) Gibb – acabando o nome por se fixar na versão por extenso: Bee Gees.
Passaram a atuar aos fins-de-semana em feiras e exposições agrícolas, viajando incessantemente, cantando e aprimorando as suas atuações nos lugares mais impróprios e para os públicos mais improváveis, mas também em programas de rádio e televisão, de que se encontram alguns registos online.
O pai Gibb, que sempre apoiou o projeto musical dos filhos – ao contrário do que acontecera com o seu próprio pai – acabou por ter de assumir a gestão do grupo, possivelmente para evitar problemas legais, uma vez que eram menores. E encarregava-se de os levar de carro para as atuações, com os seus uniformes de palco costurados pela mãe, agora apresentando-se em espetáculos de variedades por toda a região e usando o seu apurado sentido de humor em pequenos sketches cómicos intercalados com as músicas.
O primeiro contrato discográfico dos Bee Gees seria assinado em 1963, ainda adolescentes, mas o circuito australiano manifestamente não lhes dava o impulso que pretendiam, apesar de em 1966 terem o primeiro grande êxito com Spicks and Specks designado single do ano.
Regresso a Londres e primeiros grandes sucessos
Tentando ampliar a visibilidade do grupo, a família Gibb mudou-se para Londres no início de 1967, contactando para o efeito nada menos do que o empresário responsável pela carreira dos Beatles, Brian Epstein (1934-1967). Este terá passado o caso para um sócio australiano, Robert Stigwood (1934-2016), do que resultou que, poucos dias após o desembarque, os Bee Gees fossem convidados a fazer uma audição para ele. Aqui mostraram todo o seu talento vocal, performativo e criativo, apresentando várias canções originais e revelando o seu profissionalismo juvenil.
Foi tiro e queda! Rendido, o empresário, propôs-lhes a assinatura de um contrato de longa duração nesse mesmo dia, para gravação, publicação e gestão de carreira. Com a perceção de que o grupo tinha um enorme potencial, Stigwood proporcionou-lhes então condições que nunca tinham tido, não só em termos de locais de atuação e do contacto com grandes músicos por ele representados, mas também pelos dispendiosos meios orquestrais postos à sua disposição em estúdio – e, paralelamente, uma forte publicidade.
Rapidamente os Bee Gees começaram a lançar discos com canções originais que se tornaram sucessos comerciais e, escassos meses depois, o single Massachussets chegava a N.º 1 das tabelas no Reino Unido. A sua produção musical estava então num ritmo aceleradíssimo, os êxitos sucediam-se e no final do ano eram estrelas internacionais, recebendo de Stigwood um Rolls Royce cada um e uma viagem à Austrália para partilharem os frutos da fama.
Mas a fama, como é sabido, cobra o seu preço. No final de 1969 havia já uma certa rivalidade entre Robin e Barry, o que levaria o gémeo a deixar o grupo. Pouco depois seria o mais velho a abandonar o projeto, convencido de que o caminho a seguir era o de carreiras a solo, tal como acontecia então com os seus adorados e idolatrados Beatles.
Finalmente a América e o Mundo
Embora afastados da cena pública por um tempo, os três irmãos continuavam a escrever, gravar e produzir canções e no final de 1970 reuniam-se de novo. No ano seguinte eram finalmente descobertos pelo público americano, mas o encanto não duraria muito: em 1974 voltavam a cantar em pequenos clubes ingleses, meio-vazios, sem honras nem grande visibilidade, até que em 75 resolvem fixar-se em Miami, pelas boas perspetivas de trabalho que aí se apresentavam. Gravam novas músicas com uma linguagem um pouco modernizada – com a particularidade de Barry, por indicação do produtor, ter começado a usar regularmente a sua voz de falsete – e regressam aos êxitos, de onde sobressaem em Nº1 Jive talkin’ (1975) e You should be dancing (1976).
O seu sucesso na América e no Reino Unido era já tão grande que, por razões fiscais, os Bee Gees foram aconselhados a gravar o álbum seguinte em França, indo parar ao famoso Château d’Hérouville. Durante o processo de escrita-gravação-produção, chegou o convite para mandarem uma música para um novo filme na América, mas não sabendo bem do que se tratava, enviaram uma cassete com as canções que já tinham gravado. Eram tão boas ou tão más que se tornaram na espetacular banda sonora de Saturday Night Fever – três delas em Nº1 – e os seus autores receberam nada menos do que cinco prémios Grammy.
Um movimento anti disco-sound, porém, grassava nos EUA, injuriando os Bee Gees como a face mais visível desse género musical, conseguindo boicotar os seus discos e praticamente bani-los das estações de rádio. Uma vez mais os irmãos se interrogavam se seria ali o fim da linha, já que a sua popularidade nunca tinha estado tão baixa. Mas mantendo a sua habitual energia criativa, continuaram a escrever canções. Voltaram reiteradamente ao Nº1 das tabelas, agora pelas vozes de outras estrelas: Barbra Streisand (1980), Dionne Warwick (1982), Dolly Parton e Kenny Rogers (1983), Diana Ross (1985).
Barry e o legado dos Bee Gees
Os três Gibb prosseguiram carreiras a solo e em grupo até à morte de Maurice, em 2003, tendo os irmãos sobreviventes continuado o mesmo percurso até ao final da vida de Robin, em 2012. No total deixaram um volumoso corpus de cerca de mil canções, escritas individualmente e em conjunto.
Agraciado no final do ano passado pelo prestigioso Kennedy Center (Washington), Barry ouviu palavras de reconhecimento do presidente dos EUA, Joe Biden, pela sua notável carreira de autor, intérprete e produtor. Perto dos 80 anos, Barry atua ocasionalmente, sendo o detentor das memórias vivas do extraordinário e singular percurso dos Bee Gees.