“As gentes de Mérida depositam muito amor no Festival de Teatro Clássico”
Qual será a obra que vai abrir este ano o Festival Internacional de Teatro Clássico de Mérida, do qual é diretor desde 2012?
Jesús Cimarro (J.C.): O Festival vai abrir com uma ópera, Medeia, que é uma coprodução com o Teatro Real de Madrid e o Festival Abu Dhabi e que considero um dos destaques desta edição do Festival de Mérida. Um festival que tem de tudo, teatro, dança e ópera, sempre inspirados na temática clássica.
É presidente da Câmara de Mérida e nasceu na cidade. Lembra-se da primeira vez que foi assistir a uma peça no Festival de Teatro?
Antonio Rodríguez Osuna (A.R.O.): Sim, era ainda criança. Em Mérida os moradores vão habitualmente ao Festival de Teatro Clássico, a pelo menos uma das representações. Então, desde muito pequeno, e já tenho 49 anos, acho que não faltei a nenhum Festival que me lembre.
É um Festival que é vivido intensamente pela população da cidade?
A.R.O.: Sim, é muito vivido pelas pessoas da cidade, e por isso Mérida tem uma característica muito especial, pois os seus habitantes estão muito familiarizados com os autores greco-latinos . Foram tantos anos a ver Medeia e outras peças, assistindo às suas representações, que, se lhes perguntar na rua quem foi Eurípides, quem foi Sófocles ou no que consiste Medeia, muitos saberão. São já 70 edições do Festival de Teatro Clássico, com um intervalo por causa das guerras. Há muita gente na cidade que participou nas peças de teatro como figurante ou no coro. Os emeritenses estão muito, muito envolvidos com o Festival.
Como conselheira do governo regional da Extremadura para a Cultura e o Turismo, qual o impacto turístico do Festival de Mérida? É uma das principais atrações turísticas da Extremadura?
Victoria Bazaga (V.B.): É a principal atração turística da Extremadura no verão e é também a de maior valor pelo tipo de turista que nos traz. É capaz de mobilizar toda a Extremadura, até porque os extremenhos gostam de teatro, mas temos gente que vem de todo o mundo. Podemos conhecer um japonês, um americano ou um canadiano que vem aqui só para o Festival. Isto, do ponto de vista turístico, é um produto impossível de criar de um momento para o outro. Foi criado aos poucos, ao longo de décadas. É um evento em que trabalham muitas pessoas, com muito carinho, um festival de teatro em que as gentes de Mérida depositam muito amor. Em termos de turismo, acho que não existe nenhum produto tão bem feito como o Festival de Teatro Clássico de Mérida.
Como já é tradição, o Festival não acontece só em Mérida, está descentralizado. Além de Madrid, onde se estreará no Teatro Real a ópera Medeia, que outras cidades acolherão o Festival em 2024?
J.C.: Pois bem, temos esta extensão do Festival a Madrid, ao Teatro Real, e depois na Extremadura temos três espetáculos na cidade romana de Cáparra, em Medellín e em Regina, que são zonas arqueológicas que têm teatros romanos e onde estamos habituados a fazer extensões do Festival. Este ano também temos atividades na cidade de Plasencia. Estamos a incorporar a marca do Festival de Mérida em praticamente todo o mundo.
Impacto do Festival em Cáparra, Medellin e Regina junto da população é semelhante ao de Mérida?
J.C.: Claro, é uma grande atração e de facto esgotam-se os lugares nas representações. Isso significa que o público se interessa muito por ele.
Mérida é a antiga capital da Lusitânia e possui o património arqueológico romano mais impressionante d a Península Ibérica. Existe um carinho especial da população emeritense por este património?
A.R.O.: Sim, existem programas muito interessantes na cidade, como o Cuida do Teu Património, em que os alunos adotam um monumento, cuidam dele e estudam a sua história. São 31 hectares com 22 monumentos abrangidos pela Declaração de Património Mundial da UNESCO e ao longo dos anos nós, como cidadãos de Mérida, interiorizámos que esta não é apenas uma fonte de rendimentos, mas faz parte da nossa história. É por isso que uma festa como a Emerita Lvdica é tão importante. As pessoas têm orgulho do seu passado romano. O gentílico frequentemente usado para o emeritense não é só emeritense, mas também romano. Isto dá um exemplo da importância que a civilização romana e a fundação da cidade têm para os seus habitantes.
Quanto à notoriedade da Extremadura, o Festival é a mais importante atração turística durante todo o verão, como disse. É também uma forma de promover a imagem da Extremadura, outros motivos de interesse da Extremadura, junto do público do Festival e também de outros públicos que não o do teatro tanto em Espanha como fora?
V.B.: O Festival leva implícita a marca Extremadura e é muito importante para nós. Somos uma região que tem dificuldade em convergir em outros assuntos, como infraestruturas de transporte, etc., mas na cultura podemos convergir com o resto da Europa. Estamos no auge de qualquer movimento cultural europeu que exista. Então, para a Extremadura é essencial este Festival. E mais, temos muitos atores, cantores e escritores que pedem para ir ao teatro romano, que, além disso, também este ano declarámos como monumento de interesse cultural. O monumento para nós é muito importante. Acredito que, além disso, na imaginação de qualquer cidadão espanhol, quando pensa na Extremadura, vai aparecer Mérida e vai surgir o Teatro Romano de Mérida.
Quais são as ligações do Festival com Portugal, pois fazem esta apresentação todos os anos no Teatro Romano de Lisboa?
J.C.: O meu objetivo é criar uma aliança para a possibilidade de trazer espetáculos portugueses até Mérida. É verdade que a característica deste Festival é especial, porque o tema é greco-romano. Ou seja, no Festival de Mérida os espetáculos são criados para serem representados no teatro romano. E a minha intenção é que possamos trazer um espetáculo português para Mérida ou levar um espetáculo de Mérida, neste caso do Festival, para Lisboa. As exposições têm sido mais fáceis de trabalhar, temos levado exposições de Mérida a Lisboa ou trazido de Lisboa a Mérida. Um dos interesses que temos em apresentar o Festival também em Lisboa é que os responsáveis pelas artes performativas portuguesas se aproximem e possamos ter essa relação, essa intercomunicação, que é fundamental quando se trata de propor qualquer projeto artístico.
O público português tem-se tornado importante para o Festival?
V.B.: Todos os públicos são importantes para o Festival. O público português interessa-nos e temos de saber cada vez mais quais são os gostos dele. Se houver uma referência que ressoe no público português, um ator ou um texto, haverá mais capacidade de atrair espectadores ao Festival.
Há algo de muito especial neste Festival, que é as peças serem noturnas. A que horas começam?
J.C.: Pois bem, começam às 22h45, porque na Extremadura , no verão, a temperatura normalmente ronda os 40ºC e durante o dia faz muito calor. E o lógico é nos dias do Festival desfrutar-se de uma noite de verão, quando a temperatura cai, e a pessoa senta-se nas arquibancadas do teatro romano, as luzes acendem-se e a magia do teatro começa. E aí o espectador mergulha na magia do teatro e esquece o calor, tudo.