No Museu Regional de Beja há uma janela com vista para a História das mulheres da cidade. Com vista, mas sem abertura possível, já que a grade na dita janela evoca os tempos em que, nesse mesmo lugar, funcionava o Convento da Conceição, devotado à clausura feminina. Aqui, na segunda metade do XVII, se terá tomado de amores pouco canónicos a freira Mariana de Alcoforado, quando, dia após dia, via passar o cavaleiro de Chamilly, oficial francês enviado a Portugal para dar formação à tropa portuguesa. O apuro literário das cartas desesperadas que ela lhe envia, após o regresso dele a França, tornariam esta história de possível sedução e abandono um dos casos de amor freirático mais conhecidos em todo o mundo..Não admira, pois, que a infeliz namorada (que, todavia, viria a morrer em avançada idade e com dignidade de Soror no mesmo Convento) seja uma das personalidades em destaque no livro de Florbela Barão da Silva e Margarida Pereira-Müller, Mulheres de Beja, a que se juntam outras, tão distintas na época como no perfil, como Maria Isabel Covas Lima, Carolina Almodôvar Fernandes, Benvinda Paulino, Catarina Eufémia, Maria de Lurdes Modesto, Tonicha, Linda de Suza, Maria João George, Cândida Branca Flor, Maria da Graça Carvalho, Ana Paula Russo, Custódia Galego, entre outras..Para as autoras, este livro surgiu muito naturalmente na sequência de outro que já tinham feito em parceria, As Mulheres de Almada e dum outro, que Margarida Pereira-Müller assinou com Luísa Paiva Boléo, As Primeiras, sobre mulheres que ousaram triunfar em áreas profissionais que eram autênticas coutadas masculinas. Para Florbela Barão da Silva, há uma lógica de continuidade entre estes trabalhos: "Beja, como Almada, é uma região com problemas económicos e sociais. Os meus pais eram de Beja, tenho lá família, e muitos alentejanos migraram para Almada (não tanto para Lisboa, como se o rio fosse uma barreira psicológica). Houve ali um boom de industrialização que necessitava de mão-de-obra quer feminina, quer masculina." Margarida Pereira-Müller salienta os muitos problemas do Alentejo, "que está na moda mas para os fins de semana. Para tudo o mais, continua desertificado." Ora, como salienta, "num território anónimo, as mulheres ainda ficam mais anónimas", até porque as grades que enclausuraram Soror Mariana acabam por ser um símbolo do que, durante séculos, foram as vidas das mulheres nesta zona do Alentejo profundo. Florbela, que passou parte da infância com a avó materna em Beja, recorda "grades" invisíveis e, no entanto, bem presentes na vida de uma jovem: "Havia muitas condicionantes. Uma menina não podia gostar de se arranjar porque era vaidosa ou quase não podia brincar porque, quando não estava na escola, tinha de aprender a fazer as tarefas domésticas.".E, no entanto, mau grado tantas restrições, como este livro vem provar, a Beja não faltam mulheres que se notabilizaram desde as épocas mais remotas, como é o caso de Dona Brites, mãe do rei Dom Manuel I e da rainha Dona Leonor, que, como aqui se lê, "teve um papel ativo na política, que se estendeu ao reinado de três reis (D. Afonso V, D. João II e D.Manuel I). Sendo Infanta de Portugal e Duquesa de Beja, ajudou a concretizar a paz com Castela, uma das ações políticas cruciais, encontrando-se pessoalmente com a sobrinha, a rainha Isabel de Castela, na vila de Alcântara, em 1479, para discutir o que veio a ser o Tratado das Alcáçovas." Ou ainda de Isabel Freyre, que, ao chegar a Espanha como dama de Isabel de Portugal, que ia casar com Carlos V, se tornou na musa do poeta Garcilaso de la Vega. Mas, se para estas figuras tão antigas, houve que ir às crónicas, no caso das mais recentes os relatos orais tornaram-se essenciais. É assim que nos surgem retratadas personalidades tão díspares, mas valiosas na sua área, como a arquiteta Maria João George, as professoras Mariana Júlia ou Maria Isabel Covas Lima ou ainda a forneira Ti Bia Gadelha, e outras nossas contemporâneas como as cantoras Linda de Suza, Tonicha, a cantora lírica Ana Paula Russo, a atriz Custódia Galego, a professora universitária e deputada europeia, Maria da Graça Carvalho ou a sexóloga Catarina Soares. Mas, por vontade das autoras, este Mulheres de Beja também "inclui mulheres oriundas de outras zonas que deixaram uma marca na cidade, mesmo que não tivessem nascido neste concelho"..A complementar o trabalho de investigação de Florbela Barão da Silva e Margarida Pereira-Müller estão as ilustrações de Cristina Matos, que, nos casos mais antigos, teve mesmo de imaginar um rosto para estas ousadas mulheres tal é a falta de iconografia que as represente.