Uma obra de arte não tem que ter um significado. Ninguém pergunta o significado das sinfonias de Mozart, apenas desfrutamos. Porque é que com a arte tem de ser diferente?". Ryoji Ikeda é um artista com aura de rock star, tão enigmático quanto a sua arte. Vestido de preto da cabeça aos pés, óculos escuros, rosto fechado, trata logo de avisar que não quer que captem fotos suas nem imagens de vídeo. As palavras acabarão por sair, depois de alguma hesitação inicial. "O "eu" não é importante. A instalação fala por si própria. O importante é que seja uma experiência para recordar", diz aos jornalistas, no Parque de Serralves, no Porto, à porta do pavilhão temporário erguido propositadamente num dos espaços exteriores para acolher Micro | Macro, um vertiginoso mergulho no cosmos particular de um dos mais importantes artistas visuais do nosso tempo..Como já alguém descreveu antes, o trabalho do japonês Ikeda está algures na intersecção entre a arte e a física quântica. Sabemos que o mundo é regido por números e a ligação da matemática à música e à arte é conhecida desde os tempos de Pitágoras e Platão ou da Proporção Áurea usada por Fídias para conceber um dos templos da Antiguidade, o Parthenon..Mas Ryoji Ikeda, nascido em 1966, em Gifu, no interior do Japão, mergulha muito mais fundo no universo dos dados, fenómenos físicos e equações matemáticas para lhes conferir uma estética própria, transformando dados brutos em composições vertiginosas de som e luz. A sofisticação tecnológica do seu trabalho, garantida por uma equipa de programadores com que colabora, explora fórmulas tão básicas e fundamentais como o código Morse, código binário, sequências numéricas até ao infinito, em instalações com um assumido efeito hipnótico (à entrada do pavilhão é deixado o aviso de não recomendado a pessoas que sofrem de epilepsia)..Em Micro | Macro, que traz ao Porto, Ikeda trabalhou com a Escala de Planck - uma escala para medir átomos, as partículas microscópicas que são base da formação de toda e qualquer matéria - e a "escala cosmológica para lá do universo observável" para contrastar escalas microscópicas, macroscópicas e percetíveis pelo homem..Durante cerca de 11 minutos, os visitantes entram numa viagem imersiva intensa que cruza o universo sónico e o visual. Aos estímulos visuais severos, entre imagens de tráfego digital, de satélite ou de ADN, por exemplo, que se vão sucedendo num universo em constante expansão, liga-se um ambiente sonoro que combina frequências muitas vezes no limite (alto ou baixo), numa experiência cinemática que nos transporta pelos últimos quase 20 anos do trajeto artístico de Ikeda. Um período em que o japonês, a residir em Paris, desenvolveu residências artísticas e projetos de investigação em locais como o CERN [Organização Europeia para a Investigação Nuclear] e a NASA [agência espacial norte-americana]..Novidade absoluta em Serralves, neste projeto Micro | Macro que Ikeda já levou a outros locais como Sydney, Viena ou Pequim, é a conceção de um pavilhão temporário propositadamente para esta instalação. "O desafio que fizemos ao Ryoji foi o de conceber um quarto/espaço com uma função que ainda não existe no mundo atual, um espaço cuja função possa ficar como herança para gerações futuras", introduziu o diretor do Museu de Serralves, Philippe Vergne, para quem esta aposta se insere "na tradição multidisciplinar de Serralves..Para isso, foi convidado a colaborar com Ikeda o arquiteto portuense Nuno Brandão Costa, que ajudou a projetar o espaço instalado num dos espaços exteriores de Serralves. Um "monólito" negro, feito apenas de materiais ecossustentáveis, que "procura a simplicidade na perfeição da forma e pretende transmitir a experiência do todo, com uma cumplicidade suplementar entre exterior e interior", descreve o dossier de imprensa. "Torna a experiência visual e sónica mais pura", realça o artista japonês..É essa a mensagem que Ikeda quer passar, a de uma "experiência para recordar". E se o autor é reservado nas palavras ou na imagem, o seu trabalho é suficientemente expressivo para oferecer "uma experiência bastante visceral, mas simultaneamente intelectual", acrescenta Serralves..Micro | Macro pode ser visitado a partir desta sexta-feira e vai estar no Parque de Serralves até setembro de 2023.