Nestes tempos de crescente aceleração do consumo do cinema (e de quase tudo, como é óbvio...), acontece que nos podemos enganar, ou ser enganados, na identificação de um determinado filme. Eis um exemplo bizarro: Apanhado a Roubar, o novo filme com o magnífico Austin Butler (três anos depois de Elvis, de Baz Luhrmann, ter mudado a sua carreira), não é exatamente sobre um ladrão.Henry Thompson, o ex-jogador de baseball interpretado por Butler, vê-se envolvido num curto-circuito do submundo nova-iorquino em que está em jogo a posse de alguns bem nutridos sacos de dinheiro — a cuja sedução, valha a verdade, ele não é indiferente. Mas aquilo que começa por distingui-lo é a paixão pelo baseball (e pela equipa dos Giants), desporto em que uma determinada falta suscetível de viciar o desenvolvimento de uma jogada pode ser designada como “caught stealing” — à letra, “apanhado a roubar” —, expressão que coincide com o título original do filme e também do romance de Charlie Huston que lhe serve de inspiração (adaptado pelo autor).Henry é um herói acidental. Entregue às rotinas do bar onde trabalha, a viver um namoro tão sincero quanto relutante com Yvonne (Zoë Kravitz), vai ser projetado num carrossel de peripécias cada vez mais violentas por causa de... tomar conta do garboso Bud, o gato do vizinho Russ (Matt Smith). É esse exótico Russ, com o seu visual de punk, incluindo o cabelo em forma de crista Mohawk, que o projeta nos circuitos perversos de uma inusitada quantidade de dinheiro.Convenhamos que tudo isto poderia ser matéria fútil, mais ou menos caricatural, para mais um “policial” requentado sobre um golpe desastrado (exemplo: o recente The Pickup, com Eddie Murphy). As diferenças começam no facto, de uma só vez narrativo e afetivo, de Apanhado a Roubar ser uma celebração de um tempo muito particular de Nova Iorque. O que, naturalmente, não é estranho ao facto de esta ser uma realização de Darren Aronofsky (nascido em Brooklyn, em 1969), sintomática do seu gosto pela combinação de um realismo muito cru com as derivações surreais de histórias centradas em personagens marcadas por muitas formas de solidão — recordemos, a propósito, os seus dois títulos anteriores: Mãe! (2017), com Jennifer Lawrence, e A Baleia (2022), com o “oscarizado” Brendan Fraser.Logo no início, uma legenda indica-nos o ano da ação, 1998, abrindo para um misto de nostalgia e desencanto sinalizado pelo horizonte com as torres do World Trade Center. Não se trata de uma banal evocação “lírica”, antes de uma contextualização que nos ajuda a perceber o âmago da sua visão: esta Nova Iorque de muitas convulsões existe como um retrato íntimo dos tempos de Rudy Giuliani como mayor (aliás, citado logo na cena de abertura) em que, paradoxalmente ou não, a vibração da cidade se exprime através da pluralidade de origens, credos e sensibilidades dos seus habitantes.Elogio dos secundários Claro que Apanhado a Roubar faz lembrar algumas outras odisseias nova-iorquinas vividas e encenadas entre a crueldade dos factos e os detalhes de um humor desconcertante, eventualmente sarcástico — será mesmo uma tentação cinéfila evocar a memória do inesquecível After Hours/Nova Iorque Fora de Horas (1985), de Martin Scorsese.Enfim, quarenta anos depois, não necessitamos de encontrar “cauções” para Aronofsky (cuja estreia na realização ocorreu em 1998, com esse fascinante exercício transcendental que dá pelo nome de Pi). Ainda assim, registemos a deliciosa coincidência: Griffin Dunne, protagonista do filme de Scorsese, reaparece em Apanhado a Roubar, aliás integrando uma excelente galeria de secundários que inclui Liv Schreiber, Vincent D’Onofrio e Benito Martínez Ocasio (isto é, o rapper porto-riquenho Bad Bunny).