Jorge Palma. Antologia - Seis concertos para ouvir cinco décadas de carreira
O encontro com Jorge Palma deu-se nos corredores do teatro Tivoli, sala de espetáculos onde vai dar quatro dos seis concertos do ciclo Antologia. Meia dúzia de espetáculos para comemorar, revisitar e redescobrir temas dos 50 anos de carreira do cantor e autor.
Com uma lata de Coca Cola na mão, acabado de fumar um cigarro na pausa de uma conversa anterior com outro jornalista, encontramos Jorge Palma afável e disponível para a sessão de fotografias para esta entrevista. Ora com um chapéu de palha ora sem ele, sentado ou de pé, não transpareceu por um segundo algum eventual cansaço destes contactos com os órgãos de comunicação social após 50 anos de estrada - e 72 de vida. Antes de umas perguntas e respostas mais diretas , falou-se sobre os concertos que vai dar entre este domingo e o dia 19 de novembro.
Sentado num banco de veludo azul dos corredores do Teatro Tivoli, Palma explicou o que vai acontecer. "Este domingo, em Benfica, vamos fazer um concerto que já tenho feito desde 2016 e que tem corrido muito bem. Vou estar sozinho em palco só com voz e piano", explicou. Diferente dos concertos que já estão a ser preparados para os outros locais: "Aqui no Tivoli vou ter o meu quinteto habitual. E no último concerto [no Capitólio] vai ser com o Palma"s Gang."
Seis concertos únicos e individuais, todos em Lisboa, para celebrar cindo décadas de carreira. Uma ideia pensada por André Sebastião e pelo Tiago Branco managers que há cerca de nove anos trabalham e acompanham Jorge Palma. "São muito mais do que managers e depois têm ideias como a dos concertos de antologia. Confesso que, no início assustei-me com a ideia, mas agora está a dar-me imenso gozo, a mim e aos outros músicos que me acompanham, e que são todos mais novos do que eu". Nos vários concertos vão regressar ao palco músicas já quase esquecidas, "algumas que desde a sua gravação nunca mais toquei", comentou. "Estou a estudar e a descobrir coisas que toquei e escrevi, e às vezes tenho a sensação de: "Olha que engraçado, eu fiz esta merda" [risos], está a ser um verdadeiro trabalho didático de estudar coisas que pari". Entre as redescobertas está o primeiro single de Palma em nome próprio, de 1972, The Nine Billion Names of God, tema escrito em inglês numa altura em que, explicou, não estava a conseguir escrever letras em português, "ainda antes de ter começado a lidar com o Ary dos Santos". O single tem o mesmo nome que um conto do Arthur C. Clarke, de que Palma gosta muito. "É um encontro entre o místico, dos monges, e a civilização ocidental. A ideia dos monges é descobrir os vários nomes de Deus. Decidi transformar esse conto numa letra de canção, ou seja, a história de uma forma mais sucinta. Está num inglês incipiente - ainda não tinha a rodagem de viver em países onde se fala em inglês".
Aliás, cantar em inglês é algo que faz com regularidade sobretudo em covers de Paul Simon, Tom Waits ou Bob Dylan, a fazer lembrar os tempos em que tocava nas ruas e nas estações do metro de Paris. "Nesses anos cantava e tocava de cor umas quarenta músicas. Não gosto de tocar a mesma música no mesmo dia, como também dizia a Billy Holliday , mas não é superstição, não gosto mesmo!".
Ainda antes das perguntas e respostas, lembra-se de dois alemães com quem partilhava as ruas a tocar: "Na altura em Paris em que se fazia dinheiro a tocar na rua e nas esplanadas, estes dois alemães até tinham contas bancárias e alugavam apartamentos, com o dinheiro que faziam. Mas, lembro-me, só sabiam duas músicas, e passavam os dias a tocá-las repetidamente, era incapaz de o fazer". Voltando aos concertos da Antologia, perguntamos qual o formato que lhe dá mais gozo, sozinho ou acompanhado? "Sozinho tenho liberdade total, e apesar das estruturas da música, se quiser alongar ou cortar noutro local, faço-o. Com a banda é diferente, mas apesar de haver uma estrutura mais combinada há espaço para improviso, diz". Certo é que a mesma música não se ouvirá duas vezes no mesmo dia.
Lançamos o desafio de dizer algumas palavras a Jorge Palma e perceber o que elas significam para o cantor.
Futuro
"É já, o futuro é já! Nunca programei nada a longo prazo. As coisas nunca correm como planeámos [risos]. Mas a sério, quando tinha 20 anos achava que era imortal, agora com 72 é evidente que de vez em quando reflito no futuro... pode ser amanhã, pode ser daqui a 30 anos, mas porquê pensar nisso? Vamos viver, enquanto houver estrada para andar [risos] e dedos para tocar".
Portugal
"É um país sui generis. Tem coisas muito boas, é um país lindo, do ponto de vista da natureza. Tem pessoas muito afáveis e cordiais. Mas também é um país conservador por natureza. Mas, curiosamente, quando o povo português se exalta, como aconteceu com Timor ou no tempo da pandemia, as pessoas vão à luta e são bravas. Quando não há nada têm tendência a ficarem acomodadas e com um pouco de preguiça. Não gostaria de viver permanentemente noutro país. Gosto muito deste."
Guerra [a do Ultramar e a na Ucrânia]
"Só a ideia de ter um sargento a gritar comigo, não! E levar uma injeção na espinha como se dizia na altura..., não! Pegar numa arma, numa G3, matar pessoas e arriscar-me a ser morto, não! Adoro guerra mas só nos filmes, aí sou grande fã. Já vi o Resgate do Soldado Ryan e o Apocalipse Now umas 150 vezes, sem exagero. Quanto à guerra que acontece na Ucrânia, para mim e para o cidadão comum, é termos de continuar a arcar com as dificuldades económicas que estamos a sentir. Mas sou pacifista, não me lembro de ter andado à pancada sequer, tento sempre resolver os conflitos com diálogo. Mas é preocupante, o Putin está a levantar a fasquia. Sei que não pode perder a face, e não pode pedir desculpa e dizer que a invasão da Ucrânia foi um engano. Por outro lado, os ucranianos não cedem e estão a dar muita luta. Se alguém decidir lançar uma bomba nuclear espero que, pelo menos, não seja o início da terceira guerra mundial atómica. Mas mesmo que seja uma bomba mais pequena é muito preocupante."
Filhos
"Dois. E acho que chega. Tenho dois filhos fantásticos, um com 39 e outro com 27, que para além de filhos são grandes amigos e compinchas. Muito diferentes um do outro. O que toca comigo, o Vicente, o mais velho, é completamente antialcoólico e antifumo e agora até é vegetariano. O outro é mais parecido comigo [risos]. E são ambos bons músicos e ambos cantam bem, afinados. O mais velho é muito experiente e toca com outras pessoas. O Francisco, o mais novo, toca guitarra melhor que eu e é um perito em história do rock e dos blues e escreve muito. Recentemente escrevi uma canção para o novo disco que vai sair em 2023 que se chama Três Palmas na Mão, e no passado domingo [18 de setembro] tocámos a música os três, juntos. Foi, e é sempre, uma sensação fantástica, olhar para a direita está um, olhar para a esquerda está o outro."
Pandemia
"Claro que dei por ela, e tive as minhas precauções, obviamente, até pela minha idade e por ter um enfisema pulmonar provocado pela quantidade de tabaco que tenho fumado desde os 14 anos, mas não alterou muito a minha realidade. Nos últimos anos tenho deixado de ir para a noite, para as noitadas e copos até de manhã, e tenho passado muito tempo em casa. Tenho as minhas guitarras, o piano, a televisão e a Netflix, livros e discos. Como não tenho um trabalho regular, um emprego normal, não senti muito, mas tenho amigos em quem a pandemia bateu forte. E, claro, economicamente senti, porque deixei de ter concertos. Fui fazendo streamings em casa e assim que houve a primeira abertura, no verão de 2020, fui ver espetáculos ao Maria Matos, do Salvador Sobral e do Sérgio Godinho, e fiz uns concertos com banda e em formato trio, que é outro formato que tenho. Atualmente, já faço um nível de concertos bons. Mas há uma coisa que tenho e que muitos não têm... pessoas como eu, o Sérgio Godinho, o Rui Veloso temos muita obra feita e recebemos duas vezes por ano os nossos direitos de autor, o que é bom."
Setenta e dois
"Venham mais. Venham os que vierem com saúde. Sinto-me bem. Não me assusta..., o que me assusta é eventualmente ficar inapto e ficar a dar chatices aos outros e a mim próprio. Havendo saúde, venham mais."
Carreira
"Não gostava da palavra carreira mas a verdade é que tenho uma carreira discográfica e não só, uma carreira com muita estrada. E isso também é para continuar. Por estrada ou pelo ar, a viajar. Gosto muito de viajar e sempre que posso faço viagens grandes, continentais. Mas tenho tido muita sorte, mas também muita perseverança, otimismo e confiança. Quando há portas fechadas e se não as conseguir abrir, contorno-as e arranjo uma alternativa."
25 de setembro, Jardins do Palácio Baldaya, em Benfica (a solo)
7 de outubro, Teatro Tivoli BBVA
26 de outubro, Teatro Tivoli BBVA
1 de novembro, Teatro Tivoli BBVA
8 de novembro, Teatro Tivoli BBVA
19 de novembro, Cinetreatro Capitólio (com Palma"s Gang)
filipe.gil@dn.pt