É a primeira vez que está em Portugal? Não. Estive numa residência artística no Porto durante quase nove meses, entre julho e setembro deste ano. E essa sim foi a primeira vez. Adoro o país, as pessoas e a comunidade ligada ao teatro. Não sabia muito sobre Portugal antes de chegar mas estava na minha lista de locais a visitar. Foi o John Clinton Eisner, que é um velho amigo e colega que, em Nova Iorque, num almoço, falou-me de uma residência onde tinha estado no Porto. Invejei-o na altura [risos]. Umas semanas depois disse-me que uma pessoa tinha desistido e que havia possibilidade de me inscrever, o que fiz. Mas para ser mais exato, primeiro estive uns dias em Lisboa e depois é que fui para o Porto. E durante a minha estadia comecei a conversar com o Jorge Andrade, da companhia de teatro Mala Voadora, sobre um projeto que é bem possível que aconteça. Propus-lhe uma ideia e ele ficou muito entusiasmado e comecei logo a escrever. Simultaneamente concordei participar neste encontro em Lisboa criado pelo Marcos Barbosa. E como tenho uma nova peça que ainda não foi produzida, trouxe-a para ser lida por atores portugueses..E que peça trouxe? Chama-se Hanussen. É inspirada na figura de Erik Jan Hanussen, um homem que foi muito popular na sociedade alemã dos anos finais da República de Weimar. Era um mentalista, lia a mente e hipnotizava. Era um entertainer muito famoso, mas ao mesmo tempo era um burlão, lia o horóscopo, vendia tónicos para a saúde, etc. Hanussen acabou ligado ao partido nazi, não porque fosse ideólogo, porque era completamente apartidário, mas pensa-se que foi uma maneira de evitar os muitos processos que tinha contra si. E há rumores, não confirmados, de que esteve muito envolvido com os nazis, inclusive que treinou Adolf Hitler a ser um orador mais eficaz ou que ajudou a propaganda nazi a ser mais teatral. Há ainda outro rumor muito interessante sobre a sua eventual envolvência no incêndio do Reichstag, em 1933, a operação que levou Hitler ao poder. Nunca saberemos exatamente a verdade, mas gosto de jogar com a questão do poder e na forma como muitos se tornaram cúmplices e facilmente influenciaram o poder com consequências catastróficas. Acho que é um assunto particularmente importante pelo que se passa politicamente nos Estados Unidos e também na Europa com o ressurgimento de movimentos fascistas. E apesar de não ser, nem pretender ser, um entendido na vida política portuguesa, também Portugal tem hoje um partido de extrema-direita que tem ganho muito poder e que é liderado por uma pessoa carismática e cujo futuro ninguém sabe prever. Como uma jovem democracia que é Portugal, e depois de ter vivido vários anos numa ditadura, pode ser uma peça que interesse ao público português..E como "tropeçou" na personagem de Erik Jan Hanussen? Estava com a minha companheira da altura, que é novelista, em Seattle num evento de literatura. E nesse encontro colocaram-nos ao lado de um escritor que tinha um livro sobre uma dançarina muito escandalosa nos últimos dias da República de Weimar. E na conversa ele mencionou a figura de Hanussen como sendo o astrólogo de Hitler. E fiquei muito interessado. Hanussen era uma figura muito carismática. E muito do meu trabalho, não todo, é baseado em alguns contextos históricos, por isso fiz uma pesquisa e comecei a trabalhar a peça e construí um guião. Mas depois chegou a covid-19 e pouco mais adiantei. Quando surgiu esta oportunidade de vir a Portugal trabalhar com os atores pensei logo nessa peça. Estas reuniões com os atores são algo muito frequente nos EUA. Oiço-os a lerem a minha peça. Depois vou para casa, trabalho, e eventualmente faço alterações.E como autor, aceita bem críticas ou sugestões vindas dos atores que participam nessas reuniões? Genericamente, isso não ajuda. O teatro é uma experiência colaborativa, mas escrever para teatro é melhor quando é feito por uma pessoa e não por um comité. O que me ajuda nessas reuniões é ouvir um bom ator ler uma cena e ver que várias vezes ele bloqueia em certa parte, ou numa certa fala, o que me desperta para algo que pode não estar bem no guião. E isto acontece sem eles dizerem nada... os atores são fantásticos..O Robert começou por ser ator... Sim, fui ator, mas já não sou há muitos, muitos anos [risos]. Mas gosto de pensar que sei como um ator trabalha e pensa. E também que escrevo com isso em mente. Depois destas leituras feitas aqui em Lisboa, quanto tempo poderá levar Hanussen a estrear? É uma boa questão. O teatro, sobretudo na América, ainda está a regressar da pausa forçada pela pandemia. Só agora o público está a começar a ganhar confiança e a regressar às salas de teatro - alguns ainda com a dúvida se devem usar ou não máscara. Com este interregno as companhias de teatro estão a trabalhar ainda nas peças que foram adiadas e só depois vão pegar em coisas novas. Isto para dizer que, honestamente, não sei quando será possível..E pode estrear num outro país, fora dos EUA? Sim, aliás é muito possível que aconteça e não é uma má ideia. Aliás, adorava que uma peça como essa estreasse aqui em Lisboa ou no Porto..E como é o seu processo criativo para escrever uma peça. Coloca prazos a si mesmo, por exemplo? Há muitas variáveis. Em televisão e cinema, para os quais também trabalho, os prazos são muito apertados. Já no teatro, se tiver uma comissão para escrever uma peça é mais descontraído. Muitas vezes tenho o prazo de um ano para o primeiro rascunho. Por acaso, para o Hanussen tive um deadline para entregar a peça, o que fiz. Quando é baseado num período ou personagem histórica, o meu trabalho passa primeiro por uma pesquisa, que faço sozinho ou com a ajuda de um dramaturgo. Depois começo a pensar na estrutura da peça. Frequentemente as peças não são tão detalhadas na estrutura como acontece no cinema ou na televisão. O que mais gosto quando escrevo é a experiência de ser surpreendido, não penso muitos nos detalhes ou contornos. Tenho uma imagem da peça, dentro da cabeça, sobretudo dos momentos finais e escrevo para ir ao encontro dessa imagem..Imagino que prefira escrever para teatro do que para televisão e cinema... Sou muito afortunado em fazer o que faço... teatro, cinema e televisão. Há particularidades em cada um que gosto muito. Mas nos EUA é muito difícil viver apenas da escrita para teatro. Não conheço ninguém que o faça e tenho amigos com muito sucesso. A maioria ou escreve para cinema e televisão, que é onde está o dinheiro, ou dedicam-se ao ensino. Ou fazem ambos. Mas o teatro é, para mim, uma expressão de amor, e quando resulta não há nada melhor..Notou, de alguma forma, que a maneira de escrever para televisão mudou nos últimos anos para alimentar a indústria de streaming? A indústria mudou muito, sobretudo desde que escrevo, há quase 40 anos. As mudanças foram dramáticas. E mesmo dentro do streaming os formatos mudaram nos últimos anos. O número de episódios reduziu, de 20 passaram para dez e agora temos seis para cada temporada, se houver sorte de escrever mais do que uma. A explosão das várias plataformas de streaming criou uma necessidade muito grande de narrativa e criou a oportunidade de muitos escritores, de um grupo muito mais diverso de género, de raça e orientação sexual, de poderem contar as suas histórias. Mas há agora uma tremenda pressão financeira nesse segmento e olhamos para isso com preocupação, com muitas aquisições e fusões. Não é bom para quem cria ter menos compradores. Mas onde é que isso nos vai levar? Não sabemos. Acredito, mesmo assim, que estamos a viver uma era dourada da escrita, quer para teatro quer para televisão, algo que já não se via desde o final dos anos 1940. Tenho dois filhos e um deles é escritor, que só se interessa por cinema e televisão, e estamos juntos a trabalhar em dois projetos. É muito interessante ver a forma como ele aborda os assuntos, a sua estética, aprendo muito com ele..A velocidade da narrativa mudou, hoje parece que é tudo muito mais rápido. Quando escreve com o seu filho vê diferenças na forma como ele escreve? Sim, a prevalência das redes sociais e a quantidade de conteúdo que podemos consumir nos smartphones, sobretudo a geração mais nova, levou a uma forma diferente de consumir narrativas que querem um ritmo mais veloz, mais cortes e arcos narrativos mais curtos. Não é necessariamente mau, mas há histórias que são grandes histórias que necessitam de mais tempo..E para TV e cinema o que vamos poder ver dos seus projetos em breve? Estou a preparar uma adaptação de uma história do Holocausto, que se chama For Those I Love, será uma série de seis episódios, e estamos a tentar avançar com isso. E estou a trabalhar com o Steven Spielberg num episódio piloto para televisão sobre as origens de Hollywood. E também acabei de escrever um guião para um filme que é passado no Vietname chamado In The Dog"s Head..Voltando ao início da sua carreira, quando percebeu que preferia escrever a ser ator? Achava que seria como o Orson Wells, que iria ser ator, escrever e ser realizador. Mas sempre adorei histórias, fui ator e tive uma carreira de sucesso nos EUA sem ser uma estrela. Mas ao mesmo tempo escrevia e tive também algum sucesso a escrever. A certa altura tinha uma peça minha em cena na Broadway e ao mesmo tempo estava a gravar um filme como ator em Los Angeles, e estava muito feliz e orgulhoso de mim na altura [risos], mas a peça sofreu bastante porque não estive lá todos os dias para a dirigir, e isso foi uma lição muito penosa de aprender. E não fiz o mesmo erro na peça seguinte, que o foi o Kentucky Cycle [vencedora do Pullitzer de Drama em 1992], uma peça grande e ambiciosa. E foi durante os ensaios que desisti de ser ator, o que foi algo arriscado porque tinha pouco dinheiro e já tinha uma família. Mas foi um prazer tão intenso trabalhar nessa peça e depois ter sucesso que percebi onde estava a minha felicidade..Os vários prémios que ganhou ao longo da sua carreira, o Pullitzer, os Tony e outros, são uma boa "maldição" ? Tem razão, colocaram um alvo nas minhas costas. Sinto-me muito orgulhoso do reconhecimento e do trabalho que levou até esses prémios. Mas há sem dúvida uma pressão e uma certa perceção e inclusive podemos ser tratados de forma nada vantajosa, sobretudo pela imprensa, como resultado disso. Nos EUA há sempre dois tipos de histórias: a de sucesso e a de falhanço. Dito isto, é um meio muito difícil e não se pode entrar nele sem perceber que as regras do jogo podem não ser justas. Mas sinto-me muito feliz pela minha carreira, e feliz e por ter vindo a Lisboa trabalhar com um grupo de atores muito talentoso e com uma capacidade de fluência linguista fantástica. É algo que não se encontra nos EUA, são raros os bons atores que falam mais do que inglês..Robert Schenkkan veio a Lisboa a convite da Escola do Largo - um espaço de criação e programação e também escola de teatro que existe há dois anos e que tem sinergias internacionais com várias companhias de teatro, sobretudo nos EUA..De acordo com o responsável, Marcos Barbosa, "queremos apoiar a escrita para teatro a produção de novos textos e encontro de artistas internacionais". Uma dessas parcerias é com a Peacedale Produtions, criada pelo encenador e produtor John Clinton Eisner - que esteve à frente da Lark uma das mais importantes escolas de teatro de Nova Iorque, onde foi diretor artístico durante 27 anos. Como explica Marcos Barbosa, que também é encenador e ator. " Queremos ser um catalizador de relações entre os criadores de teatro através do Centro Internacional de Dramaturgia. Foi por isso que tivemos o Robert [Schekkan] a assistir à leitura da sua peça por atores portugueses"..filipe.gil@dn.pt