"Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país." É com esta declaração de princípios estéticos que abre o livro Um Niemeyer é sempre um Niemeyer (edição bilingue português-inglês da Âncora Editores), com que o seu autor, Carlos Oliveira Santos, se propõe assinalar o décimo aniversário da morte do arquiteto brasileiro, no que conta ainda com os tributos gráficos e escritos de Álvaro Siza, Santiago Calatrava, do bisneto de Oscar, Paulo Niemeyer, Paula Klien, André Faria e Raphael Iruzun Martins..Carlos Oliveira Santos, professor universitário na área do Marketing Social, volta, assim, a um "amor" antigo, já que em 2001, com o objeto da sua admiração ainda vivo, publicou o livro O Nosso Niemeyer. Um amor que nasceu do deslumbramento que, em meados da década de 1980, lhe causou o avistamento do Casino Park Hotel e do Casino do Funchal, como conta agora ao DN: "Na época eu era diretor criativo da SONAE e estava na Madeira a dirigir uma equipa de designers quando olhei para a colina da Vigia (a mesma que, um século antes, fora frequentada pela imperatriz da Áustria, Sissi, durante o seu "exílio" conjugal na ilha) e fui surpreendido pela beleza inesperada daquele conjunto arquitetónico." Do deslumbramento inicial partiu para a investigação sobre como, em pleno Atlântico, se ergueu obra tão moderna e encontrou uma verdadeira saga com vários protagonistas para além de Niemeyer: "Foi um autêntico milagre, tal era a improbabilidade de se conjugarem estas vontades no Portugal dos anos 1960.".Tudo começou com os Barreto, uma família de origem goesa decidida a investir na então designada metrópole, como conta o autor: "Certo dia, num jantar, ouviram os Barreto um ex-diplomata brasileiro, demitido (...) desde 1964 pela Junta Militar que dominava o Brasil, quando era embaixador do Brasil em Itália. O insinuante e hábil Hugo Ghoutier de Oliveira Gondim, assim se chamava, conhecedor dos desígnios daqueles para o Funchal, fez-lhes uma sugestão: "Porque não convidam para o projeto o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer?" À época exilado em Paris (era militante do Partido Comunista Brasileiro, dirigido pelo histórico Luís Carlos Prestes), Niemeyer era já um nome maior da Arquitetura mundial, com obras em Brasília, o auditório de Ibirapuera, o edifício Copan, em São Paulo, a participação no projeto do edifício da ONU, em Nova Iorque, a Universidade de Haifa, a sede do Partido Comunista Francês ou os escritórios da editora Mondadori, em Milão..Niemeyer aceitou o repto e o projeto avançou, não sem dificuldades e impasses, como o próprio recordaria no livro Quase Memórias: Viagens, Tempos de Entusiasmo e Revolta: "Localizado num belo parque junto ao ar, o projeto do hotel na ilha da Madeira exigia condições especiais. Primeiro, que a construção não cortasse a vista do oceano: segundo, que aproveitasse o panorama magnífico. Adaptando-se à arborização existente. Daí a posição do bloco, perpendicular à Avenida e localização do casino e do cinema, aproveitando os espaços livres da vegetação.".Mas este é também o livro dos "cúmplices" portugueses de Niemeyer (que viajava pouco porque, como confessava, tinha pânico de andar de avião), entre eles o arquiteto Viana de Lima (1913-1991), homem já na época com extensa obra, em que se destacam o plano de urbanização para a cidade de Bragança (iniciada em 1960), o Bloco Habitacional de Costa Cabral, Porto, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto, o complexo hospitalar de Bragança ou a sua própria casa em Esposende (Casa das Marinhas). Como salienta Carlos de Oliveira Santos, o seu prestígio internacional fora já reconhecido em 1961 com a atribuição do Grande Prémio de Arquitetura da Gulbenkian e o seu papel de consultor da UNESCO..Mas este é também o livro do engenheiro João Madeira Costa, discípulo de Edgar Cardoso, que teve em todo este processo papel fulcral, já que como escreve Carlos Oliveira Santos: "Falar de Niemeyer, louvar-lhe a grandeza e a genialidade, pode ser muito fácil, mas para efetivamente construir um Niemeyer, aparecem mesmo muito poucos. Para além do mais, não só de arquitetos reza uma obra..." Madeira Costa, quadro da secção de Estruturas do LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil, tinha pela frente um desafio de monta: "Estávamos numa encosta para onde se calculavam tensões elevadíssimas, sobre uma rocha muito fraturada, cheia de cavernas e buracos, alguns a descer mais de 50 metros, até ao nível do porto, lá bem em baixo." No caso do hotel, o caso era mais complexo do que no Casino: "Se, numa ponte, o seu peso próprio é muito superior à carga que nela passa, aquela "ponte" tinha de suportar permanentemente seis andares em cima (...)"..Neste "nosso" Niemeyer encontramos ainda a marca de Daciano da Costa, nos interiores. Como recorda o autor, Daciano, nascido em 1930, "tinha feito quase o impossível num país retrógado sem industrialização avançada e sem suficientes industriais cultos, sem um ensino e sem uma informação atual (...)"..Mas este livro celebra também a personalidade única de Oscar Niemeyer, que morreu a poucos dias de completar os 105 anos. Carlos Oliveira Santos, que esteve com ele na Casa de Canoas, recorda o "convívio maravilhoso e o homem que se interessava por todos os assuntos". No livro, o bisneto Paulo Niemeyer recorda esse fascínio sem limites disciplinares: "Ele sempre parava tudo para receber pessoas que podiam trazer novidades sobre o Universo e a ciência e também sobre as lutas políticas e públicas. Oscar dizia sempre que, quando chegasse algum deles, pararia tudo e os receberia, pois isso era mais importante que o seu trabalho - e era verdade." Por essa casa mítica, com a assinatura inconfundível do arquiteto, terão passado, entre outros, Bono, Brad Pitt, Eduardo Galeano, Jean Nouvel, Frank Gehry, Santiago Calatrava ou Zaha Hadid..Determinante na História da Arquitetura, o legado de Niemeyer não mora apenas no passado. Em Lisboa para a apresentação deste livro, Paulo reuniu-se com o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, para discutir a possível concretização do projeto que o seu bisavô fez, em 1991, para uma sede da Fundação Luso-Brasileira. Recorde-se que a construção deste projeto chegou a ser prometida por António Costa, quando era presidente da Câmara da capital..dnot@dn.pt