A Torre de Belém está fechada para obras de conservação e restauro, mas desta vez o World Monuments Fund (WFM) não está envolvido nos trabalhos. Em 1993, a recuperação deste ex-líbris da cidade de Lisboa, do século XVI, marcou o início da atividade do WMF em Portugal e a criação da filial no país desta organização internacional dedicada à conservação do património mundial.As obras em curso neste monumento nacional - que deverá reabrir no primeiro semestre do próximo ano - vão custar mais de um milhão de euros financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência. Há 30 anos, o WMF ajudou na sua conservação, um projeto que decorreu entre 1995 e 1998 e que “custou 130 mil contos” (cerca de 650 mil euros) noticiou na altura o DN, no que foi descrito como “um bom exemplo de cooperação entre o setor público e privado”.“À época, a Torre do Belém e o Mosteiro dos Jerónimos tinham uma diretora, a Isabel Cruz Almeida, que perante o desafio da conservação e restauro dos seus monumentos tentou procurar apoio internacional pelo Getty Institute, que apontou para o World Monuments Fund”, explica Teresa Veiga de Macedo, diretora executiva do WMF Portugal. O WMF tem sede em Nova Iorque e nasceu nos Estados Unidos em 1965 como organização privada sem fins lucrativos, pela mão do coronel reformado das forças armadas americanas James A. Gray, para responder ao desafio da preservação de tesouros culturais um pouco por todo o mundo. Um dos primeiros projetos do WMF foi em Veneza, depois das grandes cheias de 1966. A organização cresceu ao longo dos anos mobilizando várias fundações e atualmente tem também filiais no Reino Unido, França, Espanha, China, Índia e Peru. “Existe um núcleo de mecenas internacionais, a maior parte deles de origem norte-americana, que está neste desafio do World Monuments Fund praticamente desde os primeiros dias. Alguns deles são mecenas extremamente poderosos. São fundos que dedicam uma parte da sua atividade a ajudar na preservação da chamada cultural heritage, do património insubstituível”, diz Miguel Horta e Costa, presidente do WMF Portugal desde abril do ano passado. A este contributo internacional juntam-se apoios nacionais, como sublinha Teresa Veiga de Macedo. “Aquilo que nós trazemos, e que é talvez até único em Portugal, é uma congregação de fundos de filantropia internacional com fundos de filantropia nacional. Tentamos angariar fundos com a sociedade civil - isso acontece, sobretudo, com grupos económicos, muito mais do que com mecenas individuais, embora nos Estados Unidos também suceda com mecenas individuais - e congregar também investimento público das entidades ligadas ao património cultural.”A regra geral é que haja uma distribuição equitativa das contribuições entre mecenas do WMF, empresas nacionais e Estado, mas a configuração do financiamento final depende do projeto. “No passado havia um objetivo nosso, uma espécie de círculo virtuoso, que era estabelecer um terço de investimento privado internacional, um terço de investimento privado nacional, angariado pela filial portuguesa, e um terço de investimento público. Evidentemente que nada disso tem sido rígido”, aponta Teresa Veiga de Macedo. Em Portugal é a banca, em especial a Fundação Millennium bcp, quem mais financia os projetos de conservação e restauro apoiados pelo WMF. Estes contributos enquadram-se nas políticas de responsabilidade social e de sustentabilidade das empresas. “Empresas grandes como a Caixa Geral de Depósitos, a REN, como as fundações ligadas aos bancos, etc., têm maior interesse em ir ao encontro desses objetivos de sustentabilidade a que se propõem, e uma das vias é também dar um contributo para a sociedade na área cultural”, diz Miguel Horta e Costa, antigo CEO da Portugal Telecom. Mas a atividade do WMF vai para além da angariação de fundos que, em Portugal, ao longo destes anos, já vai em 3,5 milhões de euros de investimento privados. “Isto, no fundo, é uma forma de envolver as várias entidades na preservação, naquele momento. Quando nós nos envolvemos é uma ação extraordinária de conservação e restauro, mas tem de haver este envolvimento público, na medida em que, se não há um interesse público, o que acontece é que, depois, muitas vezes, não são feitas as ações de manutenção posteriores à intervenção, e daí ser tão necessária essa responsabilização, quer privada, quer pública, no país”. Aliás, o Estado português está representado no conselho de administração do WMF Portugal através do presidente do Património Cultural IP, João Soalheiro. O WMF considera que, por exemplo, na Torre de Belém, além de terem sido lançadas as bases para futuras intervenções de manutenção no monumento como a que está a decorrer agora, e de se ter inaugurado “uma nova forma de aproximação às intervenções no património cultural em Portugal”, contribuiu-se com avanços científicos no domínio da conservação e restauro da pedra. Foi estabelecida uma comissão científica que reuniu vários especialistas e entidades nacionais e internacionais “que conseguem estabelecer a metodologia adequada para a Torre de Belém e, a partir dessa publicação, podemos dizer que se inaugura também uma nova forma de se trabalhar a conservação e restauro da pedra, que acaba por ser seguida por outros projetos de envergadura”, considera a diretora executiva do WMF Portugal.Produzir e partilhar conhecimento na área da conservação e restauro é inerente à missão do WMF que, em Portugal, depois da Torre de Belém, já se envolveu na conservação de outros monumentos nacionais, como o claustro e igreja do Mosteiro dos Jerónimos, os Jardins do Palácio de Queluz ou a Catedral do Funchal, na Madeira. No total, o WMF Portugal concluiu 12 projetos e tem dois em desenvolvimento: a conservação e restauro dos murais de Almada Negreiros nas gares marítimas de Alcântara - já parcialmente concluído - e o património azulejar do Palácio Nacional de Sintra. Este ano, a preservação das esculturas em terracota do Mosteiro de Alcobaça entraram no Worlds Monuments Fund Watch, o que significa que o projeto passou a contar com o apoio do WMF para divulgação e angariação de financiamento. O programa Watch realiza-se de dois em dois anos e, em 2025, entre mais de 200 candidaturas, o projeto português apresentado por Ana Pagará, diretora do Mosteiro de Alcobaça, foi um dos 25 escolhidos. “A partir desse momento em que são selecionados, não garantimos financiamento económico. O que vamos fazer é o nosso trabalho de sensibilização, quer internacional, quer nacional, para a preservação desse monumento”, diz Teresa Veiga de Macedo. . Esculturas em terracota do Mosteiro de AlcobaçaAs esculturas em terracota do Mosteiro de Alcobaça são consideradas obras-primas da arte barroca portuguesa dos séculos XVII e XVIII e necessitam de “intervenção urgente”. Ainda não foi assinado o protocolo, mas o WMF propõe-se colaborar com a Museus e Monumentos de Portugal e com o Património Cultural para levar a cabo este projeto de conservação e restauro. São 169 esculturas produzidas entre 1670 e 1765, consideradas exemplares únicos pela sua escala, método construtivo e qualidade artística. Integram cinco núcleos escultóricos: Série Régia, Conjunto do Altar Mor, Retábulo da Sagração de São Pedro, Capela Relicário e Retábulo do Trânsito de São Bernardo.Primeiro será realizado um projeto-piloto no retábulo Trânsito de São Bernardo e as suas 38 esculturas, sob a supervisão de uma comissão científica com especialistas nacionais e internacionais, da qual sairão as linhas orientadoras para a conservação e restauro das restantes 131 esculturas dos outros núcleos. Está prevista a realização de um seminário internacional nos dias 8, 9 e 10 de outubro, e o projeto tem ainda outras componentes, como a abertura de um núcleo museológico e a instalação no mosteiro de uma escola de trabalho do barro.A diretora executiva do WMF Portugal adianta que “para além do desenvolvimento científico desta matéria muito específica, há o entendimento de que há uma oportunidade para criar um projeto de capacitação profissional, quem sabe até, no futuro, congregando os três lugares diferentes que são património mundial da UNESCO, o Convento de Cristo em Tomar, o Mosteiro da Batalha, e Alcobaça, e criarem cada um deles uma oficina especializada numa determinada área. Alcobaça ficaria com terracotas e os outros poderiam desenvolver áreas diferentes.”Este projeto é importante para o WMF também porque a organização quer descentralizar a sua atividade em Portugal e reforçar o seu impacto social. “É importante na nossa missão de sair de Lisboa, de ir para regiões onde o investimento nem sempre é tão claro e evidente. Por outro lado, temos tido um grande fluxo migratório a entrar em Portugal e achamos que é uma oportunidade para criar conhecimento e capacitação para que pessoas possam vir a integrar o mercado de trabalho”. A diretora executiva da WMF considera que “a capacitação profissional é um legado, é também um património intangível que é a nossa obrigação tentar reabilitar e preservar”.O custo do projeto-piloto no Trânsito de São Bernardo, que inclui obras no exterior da capela, está estimado em 300 mil euros. A procura de financiamento já começou e o WMF está de olho nas empresas da indústria cerâmica.“Estamos a falar de uma região que tem um papel muito importante na área da cerâmica. São vários os grandes grupos ligados à cerâmica e nós contamos sensibilizar e, de alguma forma, atrair o interesse desses grupos para um desafio como este. Não queria deixar de dizer que as autarquias têm tido cada vez mais um papel nesta área cultural, porque elas próprias sentem que a cultura tem cada vez mais uma enorme importância no realce dos interesses, até turísticos, das suas regiões. As próprias autarquias estão abertas a colaborar em muitos destes desafios”, destaca Miguel Horta e Costa.Os objetivos do WMF Portugal para os próximos tempos estão definidos: “É nossa missão terminar agora a angariação de fundos para a segunda fase das gares marítimas e iniciar a angariação de fundos para Alcobaça. Aliás, já iniciámos, mas ainda não temos neste momento financiamento para o projeto. Essas são as nossas missões para o futuro imediato”, diz Teresa Veiga de Macedo. . Murais das gares marítimas de AlcântaraA edição anterior do WMF Watch, em 2022, contemplou o projeto de conservação e restauro dos murais de Almada Negreiros nas gares marítimas de Alcântara e Rocha do Conde d’Óbidos. O restauro dos seis murais na Rocha do Conde de Óbidos já foi concluído, num projeto de 410 mil euros, a que acresce o investimento noutras iniciativas desenvolvidas no âmbito deste projeto, como workshops.Falta agora o restauro de oito murais de Almada na gare marítima de Alcântara, onde entretanto abriu o centro interpretativo dos mesmos. Um projeto que vai custar cerca de 420 mil euros e que deverá arrancar em janeiro de 2026 - depois de angariados os 100 mil euros de fundos que faltam -, e que se prevê decorra durante um ano. . Azulejos do Palácio Nacional de SintraO WMF assinou também este ano um protocolo com a Parques de Sintra para conservação e restauro de azulejos e pavimentos de vários espaços no Palácio Nacional de Sintra. Na Sala Árabe serão contemplados o revestimento azulejar das paredes, o pavimento e a sua fonte central. Na Gruta dos Banhos serão conservados os azulejos das paredes, os tetos em estuque e as arcadas em pedra. E na Câmara de D. Afonso VI será restaurado o pavimento em mosaico. Numa primeira fase será feito o diagnóstico do estado de conservação, e só depois será realizada a intervenção, in situ, ou seja, no próprio local. Este investimento, estimado em 316 mil euros, será financiado em partes iguais pelo WMF e pela Parques de Sintra, e da parte do Fundo já há doadores, nomeadamente a Fundação Millennium bcp, o Fundo Robert Wilson, e a fundação familiar de Nelly e Robert Gibson.No passado dia 7 de maio realizou-se um primeiro workshop científico, com a participação de técnicos conservadores de vários países. “Todos eles participaram ativamente com sugestões de qual seria a melhor forma de abordar os diferentes tipos de problemas, e com base nessas sugestões iremos preparar as condições técnicas do caderno de encargos para lançar uma empreitada de conservação e restauro daqueles espaços.” Como sublinha Teresa Veiga de Macedo, “o World Management Fund está intimamente envolvido na implementação dos projetos, tem uma comissão científica que acompanha, prepara a documentação técnica, fazemos também o acompanhamento financeiro das obras que executamos. Não estamos postos de parte, fazemos parte integral do processo, desde o início até ao fim”.Fonte Fria da Mata Nacional do BussacoO plano estratégico do WMF Portugal para os próximos quatro anos já está a ser pensado e, avança Teresa Veiga de Macedo, há áreas geográficas onde gostariam de ter uma presença mais forte: “Até por uma questão de sensibilização do tecido empresarial e social de áreas diferentes, não apenas da região da Grande Lisboa, nomeadamente do Norte de Portugal. Também já desenvolvemos um projeto significativo na Madeira, mas nunca tivemos nenhum projeto nos Açores”, diz.Quanto ao Norte, há uma localização no radar: “Houve um projeto que já se candidatou duas vezes ao Watch, ainda não foi selecionado, mas que nós vemos como potencial, que é a Mata Nacional do Bussaco, porque concilia a intervenção sobre o património cultural e património natural”.A intenção seria avançar com um projeto-piloto numa parte específica da mata: “Estávamos a pensar na Fonte Fria, que é uma escadaria monumental que tem uma nascente integrada e infraestruturas de captação de água associadas e coloca a questão da conservação e restauro de um local em plena natureza.”Para Teresa Veiga de Macedo, “não deve ser uma intervenção excessiva, porque deve continuar a sobreviver dentro do seu habitat natural, mas do ponto de vista da gestão do monumento tem muito potencial, poderia ser um momento interessante para envolvermos diferentes entidades da região e universidades também, em prol da sua boa gestão e da sua sustentabilidade futura”. .A espada de D. Dinis e outros desafios do laboratório de conservação e restauro do Estado