A Morte do Corvo: a morte anunciada de Fernando Pessoa num Portugal dos anos 20

Espetáculo imersivo vai estar no antigo Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, até 30 de março. Os visitantes podem andar livremente pela funerária disfarçada Nevermore com três pisos: o da morte, o da vida e o da ascensão.

"Bem-vindos a Nevermore. Hoje, vão ser testemunhas de um funeral anunciado." Esta são as primeiras palavras que se ouvem nas salas onde esperam os espectadores da peça de teatro imersivo A Morte do Corvo, patente até dia 30 de março no antigo Hospital Militar da Estrela, em Lisboa.

O espetáculo silencioso foca-se na morte de Fernando Pessoa. Edgar Allan Poe, o diretor da funerária Nevermore, pretende destruir Pessoa, engendrando um plano que envolve provocar ciúmes a Ofélia e matar Mário de Sá Carneiro. Fernando Pessoa acaba por morrer ao entrar em espiral depressiva, depois da morte do seu grande amigo. Apesar de Edgar Allan Poe e Fernando Pessoa não serem da mesma época, o que os liga é o poema O Corvo do norte-americano, do qual o poeta português fez a tradução.

A morte, a vida e a ascensão são os três pisos dedicados à história da funerária Nevermore no ano de 1924. Num formato diferente e inovador apenas até agora visto no estrangeiro, os visitantes - 130 por noite - podem andar livremente pelo espaço, sendo aconselhados a seguir um dos atores pela história, acompanhando a sua perspetiva. No entanto, só alguns membros do público são escolhidos por Hélène, amante de Mário de Sá Carneiro, para ir ao terceiro andar, o Opiário, não sendo revelado o que naquele piso se passa.

Durante os 45 minutos, os atores não falam e apenas se movem pelo espaço numa coreografia bem ensaiada. Ao fim desse tempo, os sinos tocam e a peça repete-se, levando os visitantes a seguir outro caminho ou outra personagem.

Bruno Rodrigues interpreta o papel de Mário de Sá Carneiro e ao mesmo tempo é o diretor coreográfico de A Morte do Corvo. Este espetáculo junta as duas vertentes que o artista mais gosta: a dança e o teatro. "Coreografar esta peça foi um desafio gigante porque estou a coreografar as 41 cenas. Foi um Tetris gigante", explicou. No entanto, esta não é a sua primeira experiência num espetáculo imersivo, tendo feito parte do E Morreram Felizes para Sempre, em 2015, no Hospital Júlio de Matos, também do mesmo autor, Nuno Moreira.

Mário de Sá Carneiro acabou de chegar a Nevermore com a sua amante a Hélène, depois do convite do seu grande amigo Fernando Pessoa que pertence à ordem dos corvos. Sá Carneiro vem para entrar na ordem e assim aproximar-se mais de Pessoa.

Bruno Rodrigues explica que apesar de ser uma peça imersiva, a quarta parede (parede invisível que separa o público dos atores) continua a existir, tirando nos momentos de one on one - momentos em que os atores escolhem pessoas do público para cenas exclusivas. "Não vemos os nossos visitantes enquanto todas as cenas se desenrolam. O lado visitante é que tem um lado muito de voyeur".

Os visitantes têm de usar uma máscara preta durante os 90 minutos em que decorre o espetáculo. Uma forma de reconhecer quem faz parte o público e quem são as personagens. "É para que se perceba onde está a cena a acontecer e quem é o ator e o público", explicou o produtor, Hugo Nóbrega durante uma conversa com o DN. A escolha da máscara remete para um certo voyeurismo e para a ordem dos corvos, quase como se o público fosse membro desta sociedade secreta. " Há uma certa ideia de superação das pessoas. É a forma mais desinibida de assistir ao espetáculo", acrescentou o produtor.

Os 14 atores que fazem parte do elenco interpretam cada um dois papéis diferentes, sendo que o elenco varia de dia para dia consoante um sistema de rotação para as nove personagens. É o caso de Lia Goulart e Patrícia Borralho que ambas vestem a pele de Celeste, ervanária que faz a droga para matar Mário Sá Carneiro, e de Lenore, mulher de Poe. "Não há sessões idênticas porque o público é sempre diferente. Nós não conseguimos ter uma leitura do público. Todos os dias, acabam por ser diferentes, as pessoas vão para sítios diferentes e têm gostos diferentes", explicaram.

No caso de Lenore, está escondida num espaço secreto do edifício que os visitantes têm de descobrir. Já Celeste tem uma cena one on one com uma pessoa à sua escolha do público. "É um dos fatores surpresa mas é giro perceber as diferenças ao longo de um mês e meio. Há pessoas que já vêm à caça dos one on ones. É uma experiência única com uma pessoa do público que é escolhida por nós ao acaso".

Há duas opções de bilhetes: o standard de 38 euros e o VIP de 60 euros. A opção VIP tem acesso a uma sala inicial com aparência de velório americano, sendo espaço para aproveitar uma bebida. Os visitantes com este bilhete entram no espaço cerca de dez minutos mais cedo, vendo cenas exclusivas, mas não interferem na história principal.

No final do espetáculo, a sala, onde se passa a cena final, um bar dos anos 20, torna-se num verdadeiro bar, onde os espectadores podem beber uma cerveja e conversar sobre o que acabaram de testemunhar.

mariana.goncalves@dn.pt

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